Há dois dias, numa conversa entre amigos sobre “photobooks”, lembrei a edição original, “RFK Funeral Train”, 1999, de Paul Fusco, que The Photographer’s Gallery, editara, em “print-on-demand”.
Em 1968, no lobby do Ambassador Hotel de Los Angeles, Robert F. Kennedy era assassinado. No comboio onde seguia o caixão - o candidato a presidente seria sepultado no Arlington National Cemetery de Nova Iorque – Fusco fotografou da janela, um povo consternado que lhe prestava a última homenagem.
Paul Fusco, "RFK Funeral Train", 1999
No dia seguinte, na edição Internet do Washington Post, um link, numa coluna à esquerda das notícias principais, conduzia-nos a “Chernobyl Legacy” de Paul Fusco, que o jornal patrocina. Lembrei-me de Milan Kundera, (A insustentável leveza do ser), que estivera a ler na noite anterior: “A nossa vida quotidiana está sempre a ser bombardeada pelos acasos, mais exactamente por encontros fortuitos entre pessoas e os acontecimentos, ou seja, por aquilo a que costuma chamar-se coincidências”.
Mais à frente, no romance, Tereza, queria ser fotógrafa, e ainda um pouco mais à frente, no mesmo ano que Robert Kennedy era assassinado, lia: “A invasão da Checoslováquia em 1968 foi, pelo contrário, fotografada, filmada e arrumada nos arquivos do mundo inteiro”. A descrição das fotografias que Tereza tirou nesse dia em Praga - dos tanques russos, prédios destruídos, punhos ameaçadores e mortes – lembram as fotografias do checo Josef Koudelka.
Já na Suiça, para onde se exilara, Tereza foi oferecê-las a uma revista de grande tiragem. “O chefe de redacção recebeu-a amavelmente, …, convidou-a a sentar-se num sofá, examinou as fotografias, elogiou-as, para depois explicar que não tinham qualquer hipótese de publicação (“por muito bonitas que sejam!”). Já se passara tempo de mais sobre os acontecimentos. Mas em Praga tudo continua na mesma!, exclamou Tereza, com indignação, tentando explicar, que naquele preciso instante, no seu país ocupado, contra tudo e contra todos, se constituíam conselhos operários nas fábricas, os estudantes continuavam em greve e toda a população continuava a viver como muito bem entendia. Isso é que era incrível! E era precisamente isso que já não interessava ninguém!”.
Já se passou tempo demais, será que “Chernobyl Legacy” de Fusco ainda interessa alguém? Não ficará em breve arrumada nos arquivos da Magnum?
Regresso às primeiras páginas do livro: “Que escolher? o peso ou a leveza? Foi a questão com que se debateu Parménides, no século VI a.C. Para ele, o Universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser. Considerava que um dos pólos da contradição era positivo e o outro, negativo. Esta divisão em pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril. Excepto num caso: o que é positivo: o peso ou a leveza?”
Recuemos no tempo, 15 de Março de 1939, Praga era ocupada pelos alemães. Tudo mudava, e fotografar foi proibido. Josef Sudek, refugia-se no seu estúdio no jardim da sua casa. O vidro da janela, não do comboio mas do seu estúdio, separa dois mundos em pares contrários: interior-exterior.
Das duas janelas - uma virada para o jardim, outra para os blocos de apartamentos - qual escolher?
A janela com o herói, (a árvore retorcida do jardim),
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1950
ou a janela das traseiras, que nos trás a atmosfera da cidade?
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Noite-Dia; Inverno-Primavera, Interior-Exterior. Duas janelas, pares contrários?
Para Sudek o mistério é algo recôndito, difícil de comunicar, que está para além da realidade objectiva, enfim, como disse à sua amiga Anna Fárová difícil de descrever em fotografia.
Josef Sudek, The Window of My Studio, 1940-54
Para Kundera uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições.
Mas o acaso, aquilo a que costuma chamar-se de coincidências, não será também um dos grandes mistérios?
sexta-feira, fevereiro 20, 2009
Josef Sudek
Etiquetas:
Mundos Sublimes
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2 comentários:
Nossa!Maravilhoso.
Obrigada
Meg, maravilhoso são os misteriosos cruzamentos dos acasos e como diz Kundera "há boas razões para censurar o homem por ser cego a esses acasos na sua vida quotidiana e assim privar a vida da sua dimensão de beleza".
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