segunda-feira, fevereiro 02, 2009

A Ford e os seus modelos


Ralph Steiner, Saratoga Springs,c.1929

Acho que os modelos T circulariam para sempre se os deixássemos. Já tinha saído da adolescência quando encontrei um desses carros a um preço que podia pagar – cinquenta dólares. Era quase tão velho como eu, era muito mais rodado que eu e, provavelmente, mais inteligente. Os pedais da embraiagem e de travão apresentavam-se polidos como prata, e as placas de carvalho que cobriam o chão da viatura tinham profundos sulcos abertos pelos saltos dos sapatos de donos anteriores, que deveriam ter sido uma legião”. Neste artigo, publicado num jornal, o sentido de humor, com que John Steinbeck, nos retrata o estilo de vida americano misturado com fragmentos da sua vida, contrastam, com o carácter documental e informativo do romance que o celebrizou - “As vinhas da ira”, 1939.

Um ano depois, em 1940, Marion Post Wolcoot, encontra, numa estação de serviço do Louisiana, este Ford,


Marion Post Wolcoot, Service Station, Used cars for sale, Alexandria, Louisiana, 1940

que, se acreditarmos no que está escrito no vidro - “Excellent Motor”- ainda promete circular por muitos anos. Trinta anos depois, num bairro residencial de Jackson, no Mississippi, se olharmos através do vidro traseiro do carro onde segue William Egglestone,


William Eggleston, Jackson, Mississippi, do livro William Eggleston's Guide

vemos um modelo T em frente a uma das vivendas do bairro.


Detalhe

Será que ainda circula?

Acho que gostei mais daquele carro do que qualquer outro que tive. Ele compreendia-me. Possuía uma inteligência não exactamente maliciosa, mas adorava uma boa piada. Por exemplo, sabia exactamente quanto tempo podia manter-me a dar à manivela e a amaldiçoá-lo antes de começar aos pontapés ao radiador. Andava sem qualquer problema quando eu vestia calças de ganga azuis, mas bastava eu vestir o meu melhor fato e uma camisa branca, e talvez sentar uma miúda ao meu lado, e o carro avariava-se invariavelmente, e sempre com a pior avaria possível. Nunca lhe dei um nome. Chamava-lhe ISSO. (…) Uma rapariga que entrasse pela primeira vez num Modelo T nunca sabia se o resultado da viagem seria uma sessão de mecânica ou de amor”.
Piada não deve ter achado o obsessivo Alfred Stieglitz, ao ver, a sua musa e amante, Georgia O’Keeffe, apaixonada pelo seu novo Ford V-8 descapotável.


Alfred Stieglitz, Georgia O'Keeffe, Portrait, 1933


Alfred Stieglitz, Georgia O'Keeffe, Portrait, 1933

My hands had always been admired since I was a little girl”, recorda O’Keeffe. Será a beleza das mãos ou será o ciúme das carícias que fazem Stieglitz tirar estas fotografias? Para Steinbeck, “o Modelo T não era um carro como os que conhecemos agora, era uma pessoa…”.

Quinta-feira passada, a Ford Motor Company, revelou os prejuízos do ano de 2008, o pior da sua história - 14,6 biliões de dólares. Encurralada, à beira da falência, a indústria automóvel, está prestes a desaparecer de cena, como estes tejadilhos de carros que Harry Callahan fotografou em Chicago.


Harry Callahan, Chicago, 1948

Mas a Ford, que outrora fabricava modelos, que mais pareciam pessoas, está determinada em não pedir ajuda federal, ao contrário dos seus concorrentes. Alan R. Mulally, o presidente, está confiante no futuro, porque provavelmente acredita, que os seus modelos, circularão para sempre, se os deixarem.

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