segunda-feira, agosto 20, 2007

Um convite à meditação, os subúrbios de Gregory Crewdson

Em criança, Gregory Crewdson lembra-se de escutar as consultas do pai, psicanalista freudiano. As sessões que ouviu emergirem da cave, na sua casa no Brooklyn, marcaram a sua vida.
Gregory Crewdson, série Twilight, 2001-2002

Para Freud, pai da psicanálise, o fundamental está na relação entre psicanalista e doente. Para anular os sintomas desagradáveis, medos, angústias, desejos sentidos pelo doente, o psicanalista trazia à consciência deste os conteúdos da sua vida psíquica, e na vivência dessas experiências o doente libertava-se dos sintomas. Considerava Freud que os sonhos e actos falhados eram fenómenos psíquicos completos, porque constituídos de significado, e que através da sua análise, utilizando o método das associações livres, o doente transferia para o psicanalista os conflitos que tivera com as pessoas mais próximas.
Gregory Crewdson, Family dinner, da série Twilight, 2001-2002

Á relação que se establecia entre psicanalista e doente chamou Freud de "transfer", e muitas histórias de transferências de neuroses ouviu Crewdson na sua infância.

Viver nos subúrbios, para a classe média/alta americana simboliza a realização do sonho americano, uma casa, um jardim, um carro, um barco...Crewdson escolhe a iconografia do dia a dia dos subúrbios
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02

para fotografar não a ilusão do sonho desejado e realizado, mas o contraste da tranquilidade aparente destes locais com um sem fim de fantasias e paranoias de quem os habita. Nas suas fotografias, vemos o contraste da ideia manifesta, a fachada perfeita e tranquila do lar, com a ideia latente, os fantasmas e paranoias que habitam o interior de cada um.
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-2002

Gregory Crewdson, Backyard romance, da série Beneath the roses, 2004
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02

Ao sonhar, as crianças tal como os habitantes dos subúrbios, também realizam os seus desejos. Curtos, claros e coerentes, os sonhos das crianças não necessitam da cadeia de associações livres para se chegar ao latente, ao contrário dos sonhos dos adultos cuja deformação elaborada nos impede compreender. Freud chamou,"realização alucinatória do desejo", à realização de um desejo frustrado no sonho da criança. No sonho do adulto, a censura que depende da moral de cada um, exerce a sua actividade relegando para a obscuridade os desejos inaceitáveis. Mas quando mal recalcados esses desejos inaceitáveis soltam-se das profundezas da psique e provocam angústias e mal estar. O psicanalista tem como objecto destruir os mecanismos de defesa para fazer emergir por detrás dos sintomas os fantasmas inconscientes que habitam em todos nós.
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
Crewdson é fotógrafo mas à semelhança do psicanalista, fotografa as imagens latentes como se revelasse o que está por detrás das fachadas. Bill Owens em “Suburbia”, que vimos no post anterior, levanta o véu deste universo que habita as periferias das cidades, o sonho americano uma vez realizado cria vazio e um certo mal estar, e estes sintomas habitam também as suas fotografias.

Crepúsculo é a hora em que termina o dia antes de chegar a noite, é a hora mágica porque percepcionamos os efeitos transitórios da luz que se transforma em escuridão,
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
é a hora da passagem do visível ao invisível e é a hora que Crewdson escolhe para fotografar, porque a melhor para captar a transitoriedade dos nossos estados psicológicos. Fotografar a vida dos subúrbios ao crepúsculo,
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
é para ele o local e a hora perfeita para congelar, a partir da fotografia, o momento da passagem do inconsciente (latente) ao consciente (manifesto).

É o próprio que diz que toda a sua obra é pensada em termos psicológicos e o mundo uma metáfora dos seus estados. No trabalho de elaboração onírica há um processo característico e essencial ao sonho, trata-se da transformação das ideias em imagens, e a este mecanismo chamou Freud «regressão». Crewdson utiliza a fotografia à semelhança da regressão, um meio que transforma as suas ideias em imagens
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02
como ele diz “I’m interested in using the iconography of nature and the american landscape as surrogates or methaphors for psychological anxiety, fear and desire...everything deals with my own psychology. These elements are used as tropes to investigate my interior life”.

Nos filmes assistimos à narração de uma história ficcional, nos sonhos fragmentos de imagens estranhas e absurdas são difíceis de ligar, contudo quando nos conseguimos lembrar narramos os sonhos como se fossem uma história. À narração que completa os fragmentos dos sonhos chamou Freud «elaboração secundária». Crewdson é influênciado pelo cinema, os cenários que constrói, as luzes artificiais com que recria o crepúsculo, a equipe que o acompanha na produção, os meses de planificação, tudo parece cinematográfico.
Gregory Crewdson, da série Beneath the roses, summer 2003
Gregory Crewdson, da série Beneath the roses, summer 2003
Mas Crewdson diz-se fotógrafo e a diferença entre o cinema e a fotografia reside no silêncio e na estática das suas imagens fotográficas. Através das fotografias (fragmentos de imagens), estranhas e absurdas, Crewdson narra uma história, as histórias dos sonhos.
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001

Vimos no post anterior que os subúrbios, habitats desejáveis quase paradisíacos, funcionam como os sonhos das crianças, numa realização alucinatória dos desejos mais comuns. Nos subúrbios de Crewdson descemos às profundezas da psique,

Gregory Crewdson, da série Beneath the roses, Winter, 2005

e na hora mágica do crepúsculo, no entre luzes, fantasias e transgressões libertam-se da censura e assaltam os habitantes destes lugares. Para Crewdson os subúrbios
Gregory Crewdson, da série Twilight, 2001-02

são os locais e o crepúsculo o momento propício onde o estranho e o inexplicável se verificam.

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