quarta-feira, outubro 25, 2006

Masterclass de Amos Gitai, no Doclisboa 2006

Para responder à pergunta do penúltimo post, respondo com a resposta que Amos Gitai deu, à questão que o público lhe colocou no Masterclass do passado Sábado: O que recomenda à nova geração que faz cinema documental? A resposta foi simples: reinvenção e convicção no que se faz.
De facto para quê tentar redefinir a noção de documental se a reinvenção é primordial.
Não pretendo escrever uma síntese do Masterclass de Amos Gitai, mas sim focar alguns aspectos que achei interessantes.
No cinema documental, disse Amos, o estar munido de uma máquina de filmar facilita o início da conversa. Vimos isso funcionar no seu filme "A house in Jerusalém". Gitai numa rua de Jerusalém pergunta a vários transeuntes se sabem o significado do nome da rua. Quase todos se aproximam para responder, a curiosidade de ser filmado é evidente. John Collier, fotógrafo que se interessou por antropologia (ou o contrário?), escreve no seu livro Antropologia Visual: A fotografia como método de pesquisa (a 1ª edição é de 1969) que "...a tomada da fotografia pode, por si, estabelecer o início da entrevista." Um documentário é matéria frágil, diz Gitai, se no início a entrevista correr mal o trabalho pode ficar comprometido. A máquina, (de filmar ou fotográfica) tem um papel que ultrapassa o registo.
No cinema documental, continua Gitai, é necessário aprofundarmos a relação com a comunidade que vamos documentar, mas frisa que isso não significa que passamos a fazer parte dela. Durante uns tempos vivemos próximo, mas ao fim de uns meses saimos da vida dessas pessoas. Devemos manter a imparcialidade, devemos respeitar a linha de limite definida pelos entrevistados, diz Gitai.
W. Eugene Smith, na reportagem Spanish Village, (editada pela Life a 9 de Abril de 1951), pela qual ficou conhecido, vai para Espanha já com uma ideia preconcebida. Ele quer mostrar a pobreza e a opressão em que viviam os espanhois sob o regime de Franco. Deleitosa, uma aldeia que fica na estrada que liga Madrid a Badajós, é a aldeia escolhida para confirmar a sua ideia.




Smith não é imparcial e com o intuito de conseguir as melhores imagens para representar o que pensa, prepara as suas fotografias. A primeira foto da reportagem, que testemunha a celebração de uma 1ªcomunhão é encenada. A menina, Lorenza Curiel de 7 anos, já a tinha celebrado, mas Smith achou que o acontecimento era importante e quis fotografar. Ao não fazer parte daquela comunidade, Smith não se apercebe do erro dessa encenação. Olhando para a fotografia, percebemos que há algo de errado naquele dia de celebração tão importante para uma família cristã. O fato de um branco imaculado não condiz com a forma como a mãe e irmãos estão vestidos para a acompanharem à igreja, (como diz o texto). Sabemos que embora pobres, todos vestiriam o melhor para a ocasião, e sobretudo nunca iriam descalços. Ninguém na redacção da Life notou e a reportagem foi publicada. Os Espanhois, e não foram só os nacionalistas, não gostaram. A reportagem foi um êxito para a Life, talvez tenha sido a melhor da revista. O trabalho é de facto excelente, quer as fotografias de Smith quer a paginação de Bernard Quint, que é dos melhores trabalhos gráficos que se conhece. O que pretendo ao dar este exemplo, é sublinhar a advertência de Gitai: mesmo que nos importemos com o que estamos a documentar, somos sempre alguém de fora, um estrangeiro, e devemos deixar as pessoas agirem sem a nossa intervenção.
Há temas que devem ser ficcionais, continua Gitai, o "docudrama", mistura do documental com ficção, é o que nunca se deve fazer. "Promise Land" tinha que ser ficcional, nunca poderia filmar no real aquelas mulheres perseguidas.

Alfred Jaar, arquitecto como Gitai, vai para o Ruanda em Agosto de 1994 testemunhar o terrível genocídeo. Tira mais de 3 000 fotos. Nunca ninguém as viu porque ele próprio não as quer mostrar, sente o mesmo que Gitai. Para chamar a atenção do Ocidente, que durante muito tempo ignorou essas vítimas, Jaar quando regressa enche as ruas de Malmo com a palavra RWANDA.



Alfred Jaar, instalação 1995

No ano seguinte, faz uma instalação no museu de Fotografia Contemporânea de Chicago, escolhendo 550 fotografias. Não as mostra, coloca-as em caixas fechadas dispostas no chão, como um túmulo funerário, onde se podiam ler as descrições das fotografias que cada uma continha.

Voltemos ao início, o bom documentário é reinvenção. Ao olharmos para o trabalho de Smith e de Jaar, em que ambos estão convictos em denunciar situações que o mundo deve conhecer, é interessante observar-mos a reinvencão que ocorreu.

Estará a fotografia documental longe do cinema documental de hoje?

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