A exposição, “Poetry and Dream”, actualmente na Tate Modern, tem como centro ou “piazza”, como Vicente Todoli gosta de chamar, o surrealismo.
Á volta, outras salas mais pequenas, propõem diferentes diálogos com o tema central. O trabalho fotográfico, e os vídeos de Francesca Woodman, (1958-1981), ocupam duas delas. No texto de parede, onde estão expostas as suas fotografias é explicada a relação com o tema central: “...her work reflects her absorption of a range visual material from surrealism...”. Woodman utiliza o seu próprio corpo, como matéria prima para o seu trabalho, e várias são as relações que podemos fazer com o surrealismo. Duchamp, em Tonsure, fotografado por Man Ray, rapa a cabeça desenhando uma estrela,
Tonsure, Man Ray, 1921
uma antecipação à Body Art, que surge como movimento na década de 1970. Mas igualmente também se pode ir buscar a Duchamp, representado na sala principal, outras influências. Quando Duchamp põe bigodes à Gioconda, este gesto deve ser entendido, não como uma provocação, mas o apontar de outros caminhos que propõem uma nova relação entre espectáculo e espectador. O que Duchamp proclama é o fim da obra de arte como justificação de si mesma, ou como refere Ernesto de Sousa, “Duchamp descobriu a indiferença estética, que pode situar-se como um começo da lucidez...a escolha de objectos ready-made, marcaria um momento raro e difícil da indiferença estética e o assinalar da liberdade como obra de arte...e esta ideia fecundíssima está na origem de quase todas as actuais investigações de vanguarda”. Woodman, através de uma intuição profunda, descobre um novo caminho, porque dar o seu corpo é dar-se inteiramente, e o que interessa no seu trabalho não é o espetáculo aparente, a sua nudez, mas o imperceptível, o evanescente, o que está para lá do perceptível a caminho de uma re-descoberta de si própria, da sua vida interior, das suas emoções. Woodman não produz fotografias como obra de arte em si,
Franscesca Woodman, exposição na Tate Modern, Setembro,2007
mas como um meio, um documento de registo das suas “performances”. Para ela o corpo ainda é um obstáculo material, e em muitos dos seus auto-retratos, agora em exposição,
Francesca Woodman, Space2, Rhode Island, Providence, 1975-76
Francesca Woodman, Space2, Rhode Island, Providence, 1975-76
Woodman utiliza a baixa velocidade de forma que o seu corpo quase desapareça, tornando-se quase numa memória.
Na sala onde agora podemos ver os vídeos de Francesca Woodman, (1975-1978), recentemente descobertos, e restaurados, (2004), lemos no texto de parede “a remarkable psychological intensity”. Num primeiro momento, ao vê-los, não pude deixar de pensar na série “Sente-me, Ouve-me, Vê-me” (1978-1980) de Helena Almeida, (n.1934).
Na sala onde agora podemos ver os vídeos de Francesca Woodman, (1975-1978), recentemente descobertos, e restaurados, (2004), lemos no texto de parede “a remarkable psychological intensity”. Num primeiro momento, ao vê-los, não pude deixar de pensar na série “Sente-me, Ouve-me, Vê-me” (1978-1980) de Helena Almeida, (n.1934).
Helena Almeida, Ouve-me, 1980
Helena Almeida, Ouve-me, 1980
Woodman detrás de um papel branco translúcido, escreve o seu nome, FRANCESCA, para de seguida destruir o papel que a separa do espectador.
Dos vídeos de Woodman semelhanças trespassam para a obra fotográfica de Helena Almeida. Helena Almeida usa o vídeo para o seu trabalho fotográfico, depois rebobina e regrava as cassetes. Na década de 1970, apenas uma vez usou o vídeo como suporte, na série já mencionada, e só recentemente voltou a utilizar em “Seduzir”. Agora descobrem-se os vídeos de Woodman, provávelmente também utilizados para a sua obra fotográfica, pois nunca antes divulgados. Mas olhemos para as semelhanças: ambas as obras representam conflitos que não têm representação, e ambas utilizam o corpo, o corpo-próprio como experiência, “O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o tecto, o canto, o chão; depois o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar emoções. São maneiras de contar uma história”, diz Helena Almeida. Ambas procuram um espaço vazio, Helena Almeida o seu atelier, o atelier que já foi do seu pai, Woodman espaços vazios de casas abandonadas.
Helena Almeida, do trabalho em série, Onda, 1997
Francesca Woodman, Provindence, 1975-76
Helena Almeida, da série Untitled, 2003
Na preferência dos cantos, a relação entre o corpo e a fisicalidade do espaço, tão importante para ambas, torna-se mais perceptível.
Vídeo, Francesca Woodman, 1975-78
Vídeo, francesca Woodman, 1975-78
Helena Almeida, da série Rodapé, 1999
Os sapatos são elementos marcantes, um prolongamento do corpo,
Helena Almeida, da série Dentro de mim, 2000
Francesca Woodman, Providence, Rhode Island, 1975-76
é no chão, na terra que os pés assentam, mas é o chão, elemento fundamental, o elemento escolhido na obra de ambas, para a representação dos seus corpos, onde no chão projectam a sombra do corpo. Com Helena Almeida o corpo, manchas negras de pó transforma-se,
Helena Almeida, 1996
com Woodman, na sua performance, a pintura de todo o seu corpo tem como objecto marcar o chão onde se deita, para aí deixar o seu registo, o negativo como numa rayografia, como lhe chamou Man Ray, e como vimos nos fotogramas do vídeo. Finalmente a fotografia como suporte dos seus trabalhos.
Nenhum criador, por mais genial que seja, é um criador isolado. A história da arte é feita por caminhos que avançam de acordo com um consenso, a que corresponde em geral uma consciência do sentido do próprio caminhar. Mesmo ignorando-se mutuamente, ambas avançavam pelo mesmo trilho, Helena Almeida em Portugal, com o dobro da idade de Woodman na América, mas as várias experiências e descobertas respondiam às mesmas necessidades profundas, “o tratar emoções”. Isso explica como diz Ernesto de Sousa “que Kaprow na América e o grupo Gutai no Japão tenham inventado simultaneamente os happenings sem conhecimento recíproco. Que Yves Klein em França e Manzoni em Itália, ignorando-se, tenham abordado pontos comuns da inquietação moderna”. Vivia-se numa época em que a arte não era ainda globalizada, onde ainda não existiam a profusão de feiras e bienais de arte, e onde sobretudo não se sentia a preocupação de acertar o relógio pelo relógio dos outros. Cada um era fiel às suas necessidades.
Mas nas diferenças, sobretudo a idade. Helena Almeida vêm da pintura, e gradualmente deixa o carvão do lápis para segurar no fio de crina.
Nenhum criador, por mais genial que seja, é um criador isolado. A história da arte é feita por caminhos que avançam de acordo com um consenso, a que corresponde em geral uma consciência do sentido do próprio caminhar. Mesmo ignorando-se mutuamente, ambas avançavam pelo mesmo trilho, Helena Almeida em Portugal, com o dobro da idade de Woodman na América, mas as várias experiências e descobertas respondiam às mesmas necessidades profundas, “o tratar emoções”. Isso explica como diz Ernesto de Sousa “que Kaprow na América e o grupo Gutai no Japão tenham inventado simultaneamente os happenings sem conhecimento recíproco. Que Yves Klein em França e Manzoni em Itália, ignorando-se, tenham abordado pontos comuns da inquietação moderna”. Vivia-se numa época em que a arte não era ainda globalizada, onde ainda não existiam a profusão de feiras e bienais de arte, e onde sobretudo não se sentia a preocupação de acertar o relógio pelo relógio dos outros. Cada um era fiel às suas necessidades.
Mas nas diferenças, sobretudo a idade. Helena Almeida vêm da pintura, e gradualmente deixa o carvão do lápis para segurar no fio de crina.
Helena Almeida, Sente-me, 1979
Ao longo do seu percurso, Helena Almeida procura o impossível, como em “Voar”, onde tenta contrariar as leis da gravidade mas inevitávelmente o seu corpo acaba a embater no chão.
Helena Almeida, da série Voar, 2001
“O mais interessante em arte são as suas capacidades projectivas, e as limitações – o mais interessante é o que não se consegue fazer, é a impossibilidade de meter um pé pela parede adentro” diz a artista.
Na década de 1970, Helena Almeida é uma mulher, Woodman uma miúda de apenas 20 anos. Faltou a Woodman a maturidade de Helena Almeida, para ultrapassar as adversidades e limitações.
I am apprehensive. It is like when I played the piano.
First I learned to read music and then at one point I no longer needed to translate the notes: They went directly to my hands.
After a while I stopped playing and when I started again I found I could not play by instant and I had forgotten how to read music.
(Francesca Woodman)
O espaço torna-se, para Woodman, cada vez mais claustrofóbico.
Na década de 1970, Helena Almeida é uma mulher, Woodman uma miúda de apenas 20 anos. Faltou a Woodman a maturidade de Helena Almeida, para ultrapassar as adversidades e limitações.
I am apprehensive. It is like when I played the piano.
First I learned to read music and then at one point I no longer needed to translate the notes: They went directly to my hands.
After a while I stopped playing and when I started again I found I could not play by instant and I had forgotten how to read music.
(Francesca Woodman)
O espaço torna-se, para Woodman, cada vez mais claustrofóbico.
Francesca Woodman
Francesca Woodman, Providence, 1975-76
Em 1981, com apenas 22 anos, põe termo à sua vida, atirando-se da janela do seu apartamento no Lower East Side de Manhattan, foi o seu último desafio à lei da gravidade.
2 comentários:
anda eu com um rascunho no blogger chamado 'francesca woodman' desde agosto.
após isto, impossível apublicar seja o que for.
obrigada.
a exposição das fotografias de Woodman na Tate é pequena. Para além das três primeiras fotografias do post e a última, vêem-se outros auto-retratos de Woodman com o namorado. Os vídeos, inéditos, encontrados recentemente, desconhecia-se completamente este trabalho de Woodman,foram para mim indispensáveis para compreender melhor o trabalho de Woodman, quem os viu está por isso em vantagem.
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