Varda, antes de enveredar pelo cinema, foi fotógrafa oficial do Théâtre National Populaire e fotografava as peças e os actores que o animavam. Durante vários anos, de 1948 a 1960, não só fotografou as grandes figuras do teatro,
Agnès Varda, Lady Macbeth, (Maria Casarès) e Macbeth (Jean Vilar), 1954
como Jean Vilar que tanto admirava, como trabalhou para várias revistas, “Marie-France”, “Realités”, “Prestige français”, fazendo reportagens um pouco pelo mundo: China, Alemanha, Inglaterra, França...e também Portugal.
Agnès Varda, China, 1957
Agnès Varda, Terraço do edifício Le Corbusier, Marselha, 1955
Em Portugal, visitou a Nazaré que achou bonita e a região de Évora, da qual disse “atravessei planaltos que pareciam a lua”. Em Portugal fotografou Sofia Loren, não em carne e osso mas em cartaz, fazendo um reclame ao sabonete Lux.
Agnès Varda, Sofia Loren em Portugal, 1953
Nas notas biográficas o seu percurso pela fotografia nunca é esquecido, mas hoje quando se fala em Agnès Varda, só se pensa na grande cineasta.
Mesmo quem não conhece o seu percurso pela fotografia percebe que os seus filmes são enriquecidos por um olhar fotográfico, pois Varda herda da fotografia o hábito de observar, de captar que denunciam a sua formação.Varda retira da realidade documentos fotográficos que transforma em filmes de ficção, e “Cléo de 5 à 7”, 1961, é a realidade em ficção.
Em 1954 realiza o seu primeiro filme “La Pointe Curte”. Cria logo nessa altura a Ciné-Tamaris, pequeno universo onde vive, escreve, monta e produz os seus filmes, e o onde o acaso, que para Varda lhe trás inspiração e assunto, a faz viver numa rua com o nome de um dos inventores da fotografia, Rue Daguerre.
Mesmo quem não conhece o seu percurso pela fotografia percebe que os seus filmes são enriquecidos por um olhar fotográfico, pois Varda herda da fotografia o hábito de observar, de captar que denunciam a sua formação.Varda retira da realidade documentos fotográficos que transforma em filmes de ficção, e “Cléo de 5 à 7”, 1961, é a realidade em ficção.
Em 1954 realiza o seu primeiro filme “La Pointe Curte”. Cria logo nessa altura a Ciné-Tamaris, pequeno universo onde vive, escreve, monta e produz os seus filmes, e o onde o acaso, que para Varda lhe trás inspiração e assunto, a faz viver numa rua com o nome de um dos inventores da fotografia, Rue Daguerre.
Agnès Varda na Rue Daguerre
A fotógrafa vai-se metamorfoseando em cineasta, e durante uns anos, até deixar completamente a fotografia, a repórter e a realizadora vão-se sobrepôr. Dirá “passei com muita naturalidade da fotografia ao cinema, com uma ideia extremamente simples...Pensei: a fotografia é tão muda que se lhe acrescentarmos a palavra pode ser que se torne cinema, era uma ideia muito primitiva, nessa altura em que eu começava a fazer cinema. ...Preparei o meu primeiro filme com muitas fotografias...mas ao realizar o meu primeiro filme percebi que queria ser realmente cineasta e que não se tratava de juntar fotografia e palavra, mas sim de um movimento interior, uma disposição de alma, um encontro com o acaso, com a dificuldade” e a fotografia, para além de lhe criar o hábito de olhar, ensinou-lhe a técnica, o grão, a textura, a desfocagem, a nitidez, “guardei tudo isso no cinema, uma sensualidade, uma profunda sensibilidade à imagem”.
Em “Cléo de 5 à 7”, essa sensibilidade à imagem está ancorada no novo olhar fotográfico que nascia, não o seu, pois Agnès deixara já a fotografia, mas o olhar de uma nova geração que deixava a fotografia humanista, o olhar que naturalmente se seguiu à segunda guerra. Varda filma Paris, como a nova geração fotografa Paris, não a cidade do bilhete-postal, da Torre Eiffel e dos passeios junto ao Sena, mas a dos bairros mais afastados do centro.
Em “Cléo de 5 à 7”, essa sensibilidade à imagem está ancorada no novo olhar fotográfico que nascia, não o seu, pois Agnès deixara já a fotografia, mas o olhar de uma nova geração que deixava a fotografia humanista, o olhar que naturalmente se seguiu à segunda guerra. Varda filma Paris, como a nova geração fotografa Paris, não a cidade do bilhete-postal, da Torre Eiffel e dos passeios junto ao Sena, mas a dos bairros mais afastados do centro.
Robert Doisneau, Cabeleireiras ao sol, XIV bairro, 1966
Um Paris sujo e movimentado de carros, de Citroën 2Cv, dos Citroëns boca de sapo, dos Simcas...
Sergio Larrain, Paris, 1959
os grandes planos dos carros que quase se tocam,
René Burri, Paris, 1962
num trânsito infernal, permitindo de janela para janela o galenteio dos rapazes que se colocam ao lado do táxi onde segue Cléo “Ainda vives com os teus pais?”perguntam-lhe a rir, e que Cléo recusa a conversa fechando a janela.
Agnès baralha a percepção do espectador, e no café, ficamos por momentos sem saber onde está e quem está, os espelhos multiplicam as pessoas, mesas, objectos, e os reflexos misturam interior com exterior.
Agnès baralha a percepção do espectador, e no café, ficamos por momentos sem saber onde está e quem está, os espelhos multiplicam as pessoas, mesas, objectos, e os reflexos misturam interior com exterior.
Bruce Davidson, Paris, 1962
Não chegando Varda confunde-nos também com as conversas cruzadas, ouvimos a história que Adèle, a assistente de Cléo conta aos empregados de mesa, e em simultâneo ouvimos a conversa do casal que na mesa ao lado se zanga. Qual das histórias devemos seguir? que imagem devemos olhar?
Corinne Marchand, Cléo, é uma mulher cliché: alta, loira, bonita e uma cantora famosa. Com todos estes atributos Cléo é mimada e caprichosa, mas ao longo dos rushes, que nos vão revelando a passagem do tempo, Cléo olha-se no espelho e apercebe-se do mundo à sua volta, deixa o vestido branco e veste-se de preto,
Corinne Marchand, Cléo, é uma mulher cliché: alta, loira, bonita e uma cantora famosa. Com todos estes atributos Cléo é mimada e caprichosa, mas ao longo dos rushes, que nos vão revelando a passagem do tempo, Cléo olha-se no espelho e apercebe-se do mundo à sua volta, deixa o vestido branco e veste-se de preto,
Fotograma do filme "Cléo de 5 à 7", 1961
Fotograma do filme "Cléo de 5 à 7", 1961
é o tempo que se esgota, e cada vez está mais próxima a confirmação da doença, a morte que se aproxima, como a cartomante no jogo do Tarot logo no início do filme prevera.
É no deambular por Paris, das suas caminhadas a pé, do percurso no táxi, no carro da amiga, e no fim no autocarro com o desconhecido,
É no deambular por Paris, das suas caminhadas a pé, do percurso no táxi, no carro da amiga, e no fim no autocarro com o desconhecido,
Paul Fusco, Paris, 1962
Antoine que a acompanha ao hospital que Cléo tenta esqueçer a tragédia que sente próxima.
Realizado em 1961, numa altura em que a Nouvelle Vague era já um movimento, o filme tem os tiques típicos, como lhe chama João Bénard da Costa, da Nouvelle Vague: a mania das citações, o excesso de carga dos significados, como o túnel escuro por onde entra o carro quando Cléo revela à amiga a sua doença, e a ultra-apoiada intencionalidade de diálogos pretensamente banais, “o que eu digo”, diz Cléo no diálogo com o desconhecido “são coisas banais, tão diferente das suas citações”. Pode-se juntar a todos esses sinais da época a aparência de que o filme se faz ao jeito de um cinema directo, dando a sensação que o realizador, Varda percorre as ruas de Paris com a câmara ao ombro. Mas os filmes de Varda não são só modernidade, Fabrice Revault d’Allones, escreve o seguinte “ Para todos os efeitos, a obra de Agnès Varda coloca-se entre dois: não só entre fotografia e cinema, mas também entre longas e curtas metragens, e sobretudo entre documentário e ficção, realidade e ficticidade, modernidade e classicismo”e acrescenta “Cléo de 5 à 7” aproximava-se mais da Nouvelle Vague, da sua liberdade iconoclasta, guardando no entanto aspectos bastante clássicos”. Fabrice d’Allones tem razão, e no filme, o contraste entre a nova visão e a visão humanista da década anterior salta aos olhos, a criança sentada no chão do pátio que dá acesso à sua casa e que brinca com um piano, o homem que come rãs e que fascina o público que passa na rua, faz-nos lembrar, respectivamente, Denise Colomb
Realizado em 1961, numa altura em que a Nouvelle Vague era já um movimento, o filme tem os tiques típicos, como lhe chama João Bénard da Costa, da Nouvelle Vague: a mania das citações, o excesso de carga dos significados, como o túnel escuro por onde entra o carro quando Cléo revela à amiga a sua doença, e a ultra-apoiada intencionalidade de diálogos pretensamente banais, “o que eu digo”, diz Cléo no diálogo com o desconhecido “são coisas banais, tão diferente das suas citações”. Pode-se juntar a todos esses sinais da época a aparência de que o filme se faz ao jeito de um cinema directo, dando a sensação que o realizador, Varda percorre as ruas de Paris com a câmara ao ombro. Mas os filmes de Varda não são só modernidade, Fabrice Revault d’Allones, escreve o seguinte “ Para todos os efeitos, a obra de Agnès Varda coloca-se entre dois: não só entre fotografia e cinema, mas também entre longas e curtas metragens, e sobretudo entre documentário e ficção, realidade e ficticidade, modernidade e classicismo”e acrescenta “Cléo de 5 à 7” aproximava-se mais da Nouvelle Vague, da sua liberdade iconoclasta, guardando no entanto aspectos bastante clássicos”. Fabrice d’Allones tem razão, e no filme, o contraste entre a nova visão e a visão humanista da década anterior salta aos olhos, a criança sentada no chão do pátio que dá acesso à sua casa e que brinca com um piano, o homem que come rãs e que fascina o público que passa na rua, faz-nos lembrar, respectivamente, Denise Colomb
Denise Colomb, Paris 1953
e Marc Riboud.
Marc Riboud, Rue Moufettard, Paris, 1959
Se em “Cléo de 5 à 7” vemos a fotografia da nova geração no cinema, também vemos reminiscências da fotografia humanista, Varda coloca-se “entre dois”.
Stanley Kubrick, Wim Wenders, Andrei Tarkovsky e alguns outros…são dos poucos realizadores que marcaram a história da fotografia. Podemos também juntar a este grupo restrito Agnès Varda.
Ler mais...