domingo, julho 08, 2007

Man Ray

“O Coleccionador”, de Noé Sendas esteve recentemente em exposição no museu da electricidade.

Museu da electicidade, exposição de Noé Sendas, Maio-Julho 2007

Neste trabalho, Sendas apropria-se de auto-retratos, de pintores e fotógrafos, e de forma minuciosa através de um trabalho de colagem digital, (por recorte, sobreposição, montagem), cria novas identidades centradas no olhar dos retratados.
Quando olhamos para estas composições criadas por Sendas, de forma quase que automática e inconsciente procuramos identificar o artista auto-retratado: o fato vermelho de gola redonda de Aurélia de Sousa, Degas, Van Gogh, as Polaroids de Andy Warhol fantasiado de mulher com expressão masculina, Robert Mapplethorpe, Bruce Nauman na sua posição inconfundível de fontanário, o enigmático Man Ray...temos como diz João Pinharanda, “um universo de todos os auto-retratos e a singularidade de cada auto-retrato”.

Ao olhar para o auto-retrato de Man Ray, (1890-1976), nestas duas composições de Sendas,
pergunto-me não terá sido a imaginação de Man Ray a fonte de inspiração para toda a série?

No auto-retrato Man Ray não utilizou recorte e colagem, nem tão pouco montagem, rapou barba e bigode numa metade da face e fotografou-se
Man Ray, Self-Portrait, c.1932
e agora Sendas transforma-o e compõe.

Todo o universo de Man Ray assenta na transformação, são os lábios de Lee Miller que se transformam em paisagem,
Man Ray, A L'heure de l'observatoire, les amoreux, 1934, fotomontagem
Man Ray, A l'heure de l'observatoire,les amoreux
é o corpo de Kiki de Montparnasse que se transforma num instrumento musical, um violino, objecto de beleza e graciosidade e simultaneamente hobi de Ingres,
Man Ray, Violon d'Ingres, 1924
é “The Large Glass” de Marcel Duchamp que se transforma numa paisagem lunar,
Man Ray, Élevage de poussiére, 1920, título dado por Duchamp
são os objectos do dia a dia que se transformam em novas funções absurdas que os fabricantes nunca poderiam ter imaginado,
Man Ray, Obstruction, 1920, reposição actual
é a electricidade invisível que se transforma em “rayograma”, trabalho publicitário para promover o uso doméstico de electricidade,campanha para a companhia eléctrica de Paris, CPDE, 1931,
Man Ray, Cuisine,1931
outras vezes são as equações algébricas transformadas em objectos tridimensionais que descobre no Institute Henri Poincaré,
Man Ray, Mathematical object, 1934
que mais tarde, já em Los Angeles, 1940, o inspiram em “Shakespearean Equations”, uma série de vinte quadros a óleo,
Man Ray, Macbeth, da série Shakespearean Equations
e por último Emmanuell Radnitsky é o homem que transforma o seu nome em Man Ray, Homem e Luz.

Olhar para a obra de Man Ray separando o pintor, o escultor, o fotógrafo, o cineasta, o refazedor de objectos,....é arriscar não perceber o seu espírito dadaísta. Partilhará com o seu amigo Duchamp o gosto pelo jogo de xadrez e o gosto de exprimir ideias de forma absurda e irreverente. Não interessa o meio, pois tudo pode ser arte, o que lhes interessa é a imaginação e as associações livres, a técnica a desenvolver. Sobre as fotografias do amigo disse Duchamp “Man Ray treated the camera as he treated the paintbrush, a mere instrument in the service of the mind”.
Com os retratos que fez dos seus amigos surrealistas, e com um seu auto-retrato solarizado,
Man Ray, Self-Portrait with camera, 1932
fez uma composição que apelidou de “Échiquier surréaliste”,
Man Ray, Échiquier surréaliste, 1934
aprendeu com Duchamp a dar nome às obras. Disse uma vez ao amigo “you know if you hadn’t put the title on the canvas, “Nude descending the staircase” that picture would have passed unnoticed, (no Armory Show de 1913) like the Picabias did”. “Nude descending the staircase” is not a woman neither is it a man” disse Duchamp, e Man Ray fará o mesmo, o batedor de ovos, que tanto foi “La Femme” como também “L’Homme”.
Man Ray, 1920
Os seus auto-retratos não fogem à regra da transformação, e Man Ray retrata-se como camponês,
Man Ray, Self-Portrait with Beret, 1946
intelectual,
Man Ray, Self-Portrait
baterista...
Man Ray, Self-Portrait
afinal qual o verdadeiro Man Ray? Será o homem que lemos em Self-Portrait, a autobiografia que escreveu em 1963? ou será simplesmente um inventor nato?
Em Man Ray vemos “um universo de auto-retratos e a singularidade de cada auto-retrato”.

Sem comentários: