quinta-feira, abril 09, 2009

BESPhoto 2008; Edgar Martins, Luís Palma, André Gomes

O que é a fotografia actual?”, pergunta José Berardo na nota introdutória do catálogo BESPhoto 2008, em exposição até 17 de Maio no CCB.



A fotografia actual”, responde Berardo logo à frente, “é uma experiência directa com o contemporâneo”. À mesma pergunta “O que é a fotografia actual?”, eu respondo, é o que sempre foi.

E para explicar esta minha resposta socorro-me dos trabalhos de Edgar Martins, Luís Palma e André Gomes, os três fotógrafos representados na exposição.

Um engenheiro hábil, que constrói no meio de um caos de rochas, uma linha-férrea direita, reduz a desordem a ordem?


Luís Palma, N.212.Portugal Road Map, da série Territorialidade, 2007

Nestas pedreiras, neste mundo de possibilidades, a Natureza alterada, cortada em cubos e paralelepípedos mais pequenos, reduz a desordem a ordem?


Luís Palma, Strada Comunale Carriona di Colonnata #1, Italy Road Map, da série Territorialidade, 2008

Nestas periferias, a geometria dos prédios e sua repetição, reduzem a desordem a ordem?


Luís Palma, Bilbau #5, da série Paisagens Periféricas, 2006

A preocupação de Luis Palma, como o próprio refere na entrevista reproduzida no catálogo, “tem sido o de criar um discurso circunscrito ao meu próprio espaço geográfico e político. Neste contexto, penso que a minha obra artística tem um lado crítico quando aborda temáticas como o desordenamento territorial”.

Palma, trava a sua batalha perante um real que quer denunciar, pois os bairros monótonos das periferias tornaram-se invisíveis de tão habituais.

No inicio dos anos sessenta, Dan Graham, em New Jersey, fotografava as áreas suburbanas. Em, 1966-67, a Arts Magazine publicava essas casas standardizadas, de construção rápida, acompanhadas de um seu texto de uma crítica mordaz, “ a block of eight houses utilizing four models and four colors might have 2.304 possible arrangements...”. A crítica ficou perplexa, não sabia como classificar “Homes for América”, pois não se tratava de um trabalho documental no estilo dos foto-ensaios que se publicavam nas revistas.
Enquanto Robert Smithson e Graham fotografavam os subúrbios de New Jersey, Lewis Baltz, Robert Adams, entre outros, eram reconhecidos oficialmente, na célebre exposição, “New Topographics: Photographs of a Man-Altered Landscape", em 1975, na George Eastman House, como os herdeiros da fotografia documental iniciada por Evans. Porque ignorou o comissário, William Jenkins, os primeiros? O que distingue as casas standardizadas, fotografadas a cor de Graham, das casas standardizadas a preto e branco que Lewis Baltz fotografava nos subúrbios de Orange County?
Presentemente, confesso que tenho alguma dificuldade em contextualizar a “fotografia documental,(...),no que respeita ao meu trabalho, penso que o mesmo acaba por convergir num exercício plástico que se demarca de uma aproximação a um projecto realmente documental”, refere Luís Palma na entrevista, e continua “...temos assistido a uma apropriação de documentos que constroem novas narrativas que estabelecem uma ligação entre o passado e o presente, factos e ficções”. Palma lembra-se da artista Sherie Levine, podemos aqui lembrar o recente trabalho de Thomas Ruff, que a partir de fotografias anónimas de arquivos, reconstrói, à sua maneira, as casas de Mies van der Rohe. Ciente que a fotografia precisa de mudança, pois a simples repetição de um estilo embota e cansa a sensibilidade, Palma utiliza nas suas séries uma nova abordagem, a sua, como em “Paisagem, Indústria, Memória”, que já vimos aqui, e que o demarca de outras abordagens passadas.

Passemos à sala onde Edgar Martins expõe as suas obras, e para compreender a atitude inicial de quem aí entra, a agorafobia, o terror que um neurasténico experimenta quando tem de atravessar uma praça vazia, pode servir como exemplo para a compreensão dessa atitude inicial. Mesmo depois de ler as legendas, confrontamo-nos com obras que não sabemos o que são, e,


Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008

tal como o neurasténico, que não se atreve a lançar-se em linha recta pelo meio da praça, mas cose-se às paredes, tacteando-as, para confirmar a sua orientação, nós espectadores, perante a ferocidade do caos ambiente, feito de formas geométricas em fundo negro, onde já perdemos o pé e onde tudo parece vacilar, procuramos uma orientação. E ao olhar em redor, nesse caos, de uma realidade que não conhecemos,


Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008

o espanto e medo, as nossas emoções primárias, invadem, e só gradualmente, subtraindo-nos dessa realidade regulada, clara e precisa, como se uma aprendizagem visual se operasse, deixamo-nos envolver nessa vontade artística de negação de massa e cor, nesse esforço em arrancar as pistas de aeroportos da conexão natural onde vivem, que isoladas da sua condicionalidade, Martins consegue elevar a paisagens de uma regularidade superior. Martins convida-nos a partilhar com ele um novo olhar, que ele inventa, mas que retira da realidade.


Edgar Martins, White Noise, 2008, da série Where Light Cast no Shadow

Eduardo Serra em “A Rapariga com o brinco de Pérola”, filmou o espanto e o medo de Griet, quando olhou através da câmara obscura de Vermeer. Griet, tal como nós na sala do CCB, espantava-se com um novo olhar que a câmara lhe oferecia.
Se a fotografia tivesse sido inventada antes da perspectiva geométrica, teríamos tido o mesmo espanto que Griet ao ver uma fotografia?

E na última sala, André Gomes, termina a exposição com montagens ampliadas de polaróides onde a realidade se deforma para quebrar o seu aspecto real,


André Gomes,Incandescência das sombras, da série Per Umbras, 2009

como se o artista, virasse a sua pupila para as suas paisagens interiores e subjectivas. Criar uma obra que fuja à realidade, que careça de sentido, que se nos afigure ininteligível, parece-nos fácil, mas conseguir construir algo que não seja cópia do natural e que, contudo, possua substancialidade, implica o mais sublime dos dons.


André Gomes, Construção oculta, da série Per Umbras, 2009

As quatro obras, expostas na sala, convida-nos a percorrermos com os nossos olhos esses diferentes fragmentos; a dar-nos conta dos seus tons, uns mais fortes outros mais suaves; a dar-nos conta da luz, umas vezes mais intensa, outra mais suave, e perante estas montagens, uma solicitação múltipla é endereçada à nossa actividade de olhar, e aquilo que ao primeiro olhar, parece um amontoado inerte de tons e de luzes, levanta-se diante dos nossos olhos como que dotado de uma vitalidade própria, e esse prazer estético, elementar, que encontramos na sua contemplação, na realidade, é o prazer que nós próprios fruímos da nossa actividade. “O Sonho do Olhar”, como resume o título que Eric Corne escolhe para a entrevista com o autor ou como o próprio refere “...penso no que Bachelard escrevia no ensaio “A chama de uma vela”: o objectivo da sua reflexão era “fazer passar os valores estéticos do claro-escuro dos pintores para o domínio dos valores estéticos do psiquismo” e mais à frente “este invisível de que falo é o mundo das imagens que dormem em nós e que, como um filtro, condicionam o nosso olhar”.


André Gomes, O espelho da pintura, da série Per Umbras, 2009

Josef Sudek, um entre tantos outros, não soube utilizar o prazer estético, como o faz André Gomes, como um prazer inteligente?

O que é a fotografia actual?”, é o que sempre foi, a expressão de diferentes atitudes perante um mundo em permanente mudança.

Não gostaria de estar na pele de Helena Almeida, Agnès Sire ou Paul Wombell, o Júri de Premiação. Na fotografia, nestas três abordagens diferentes, há alguma que seja superior?

Ontem, Topologias de Edgar Martins, convenceram o júri.

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