domingo, novembro 04, 2007

Sombras

Na revista Atlântico de Novembro, Pedro Mexia em Conversas Atlânticas entrevista Paul Auster.
PM- “Em geral nos seus livros há uma atenção à vida quotidiana, com encontros, acasos, etc., mas também há quase sempre uma dimensão reflexiva. É um risco, escrever sobre ideias?”
PA –“Não é de todo um risco. Se nos sentimos compelidos a escrever sobre ideias, devemos escrever. No meu caso, não há nenhum material que não seja adequado a entrar num romance. Quando começamos a fechar possibilidades, fechamos portas às possibilidades da arte. Uma coisa que sempre me fascina é que muito poucas vezes nos romances vemos pessoas a ler romances. E no entanto as pessoas lêem. É uma coisa que me intriga, que os romancistas se tenham eliminado como parte do mundo real”.

Muitos fotógrafos, ao contrário dos romancistas, como refere Paul Auster, gostam de se representar na obra, e o auto-retrato é tão vulgar como na pintura. Mas muitos fotógrafos também se eliminam como parte do mundo real e preferem representar-se virtualmente utilizando a sua sombra.

Leonardo da Vinci chamou “derivadas”, às sombras daquilo que não se vê.

O retrato é um desejo antigo do homem. Em França no tempo de Louis XIV, um novo processo de retratar é inventado e entra em moda pela sua simplicidade. Sentados de perfil ao lado de um cavalete onde se dispunha uma folha branca, os retratados interpunham a passagem da luz, de forma que o seu perfil fosse projectado na folha de papel. A sombra, desenhada pela luz na superfície do papel, sem volume nem expessura, era depois pintada de preto. Seguia-se o recorte. Chamaram ao processo “silhouette”, na nossa língua silhuetas.

Silhuetas, de Charles Wage, c.1824
Gisèle Freund, no seu livro “Photographie et société”conta a origem de tal nome, “L’histoire de sa naissance est assez curieuse”. M. de Silhouette, nomeado em 1750 ministro das finanças de Louis XIV, foi incumbido de equilibrar os cofres do estado que à época estavam quase vazios. O método que Silhouette utilizou também foi simples, aumentou as taxas públicas e os cofres encheram-se. Mas a população é que não gostou e rapidamente M. de Silhouette foi comparado às imagens feitas por sombras, aquilo que existe invisível. O nome, “silhouette” vulgarizou-se e perdura até hoje.

Picasso, como já aqui vimos, também utilizou a fotografia. Em 1927, fotografa a sombra do seu perfil projectado em cima de um seu auto-retrato.
Picasso, 1927, Arquivo Picasso
Picasso, 1927, Arquivo Picasso
Num envelope, que certamente lhe estava à mão já desenhara em 1919 várias figuras do seu perfil.
Picasso, desenho, 1919, Arquivo Picasso
Em 1928, um ano depois da fotografia, Picasso pinta “Figure et Profil”.
Picasso, Figure et Profil, 1928
A semelhança do perfil da fotografia e do quadro faz supor a utilização da fotografia.

No mesmo ano, o fotógrafo André Kertész faz uma fotografia semelhante, mas ao contrário de Picasso, a máquina fotográfica também é projectada.
André Kertész, Self-Portrait, 1927
Em 1927, dois anos depois de viver em Paris, Kertész estáva ao par dos movimentos artísticos da época. Nesse ano, expõe pela primeira vez o seu trabalho, no espaço do amigo Jean Slivinsky, Au Sacre du Printemps, frequentado pelos artistas da revista L’Esprit Nouveau. Fica por responder a questão: será que ambos se conheciam?

O fotógrafo Lee Friedlander, é um fanático da sua sombra. Por onde passa gosta de a registar. Seja em casa, projectada na parede,
Lee Friedlander, Philadelphia, Pennsylvania, 1968
seja no deserto do Arizona, projectada no chão,
Lee Friedlander, Canyon de Chelly, Arizona, 1983
seja na cidade, projectada no casaco,
Lee Friedlander, New York City, 1966
no muro
Lee Friedlander, Miami, Florida, 1999
no arbusto.
Lee Friedlander, Southern United States, 1966
Nos anos de 1960, Joel Meyerowitz e Garry Winogrand gostam de fotografar Nova Iorque na companhia um do outro. Friedlander, prefere andar sózinho, ou será que a sua sombra é a sua companhia?

José Manuel Rodrigues, também não escapa ao fascínio das sombras. Como diz Jorge Calado, Rodrigues emprega-as para definir ou acentuar formas ou como mero exercício das propriedades únicas da luz. Às vezes, tal como os habitantes da caverna de Platão, Rodrigues prefere as sombras na parede à realidade exterior.
José Manuel Rodrigues, Vila Ruiva, 1995
José Manuel Rodrigues, Montemor-o-Novo, 1997

A lista é interminável, porque o reino das sombras sempre assombrou os fotógrafos. Quer o leitor acrescentar alguns?

4 comentários:

Tomé Duarte disse...

http://tomeduarte.blogspot.com/2007/11/sombras.html

;)

Anónimo disse...

www.filipebianchi.com tem uma série de sombras que considero bastante interessante.

Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rosa disse...

È uma mania minha também...Se tiver paciência veja:

http://www.flickr.com/photos/contemplar/sets/72157603113891241/