sábado, maio 31, 2008

Na Irlanda

Paul Graham, do livro "Troubled Land", Irlanda, 1987

A invenção fotográfica é recente, 1839, a data do seu registo oficial, mas o atraso não coibiu o Homem de se espantar com a alta definição do daguerreótipo obtida por virtude dos contrastes dos brilhos metálicos (cobre, prata, mercúrio e amálgama de prata). A 24 de Fevereiro de 1839, um artigo no Daily Boston descrevia desta forma a imagem dada pelo daguerreótipo: “…we distinguish the smallest details, we count the stones of the pavement, we see the moisture produced by rain, we read the sign of a shop...”, descrição que nos deixa a pensar se seria o Homem cego, antes da invenção fotográfica. Durante muito tempo, até ao aparecimento do digital, a fotografia foi entendida como a cópia fiel da natureza. A sua precisão e fidelidade, afinal a imagem era obtida através de um método mecânico, não dependia da habilidade de quem a fazia, tal com um espelho que reflecte uma imagem. Mas ao longo da história, como no conto de Lewis Carroll, existia uma “Alice por detrás do espelho”, onde um mundo de fantasia e imaginação se escondia. Em “Blow-up, uma história de um fotógrafo”, 1966, Antonioni revela, que por detrás de um mundo real, a certeza fotográfica incluída, o mundo era afinal pura ilusão, e na sequência final do filme, um grupo de “mimos” joga ténis sem bola, e o real é o que nós quisermos imaginar.
Tudo isto a propósito de um Master Class: “Realism and the Photodocument today”, de John Robert, que teve lugar quarta-feira à noite na Universidade Nova. Walker Evans, e o realismo documental dos anos 30, o tema central.
Hoje, com a facilidade da manipulação digital, a fotografia já não é mais entendida como a cópia fiel da natureza, para muitos a fotografia morria na transição da química para a electrónica, dos sais de prata para os pixels. Mas a fotografia não poderia morrer pela sua infidelidade porque afinal a fotografia nunca foi fiel.
Paul Graham, do livro "Troubled Land", Irlanda, 1987

A fotografia evolui e transforma-se, e depois de muito desprezado, o documentário fotográfico regressou, diferente, porque o mundo também se transformou. O inglês Paul Graham, que vimos no post anterior, é um exemplo maior do novo documentário, para ele:

Photography is a medium with a unique and particular link to reality. Previously there was no problem about this, the world was out there, and you simply had to put your camera over your shoulder and go out with an open heart and head to observe this reality. This was the 'old consciousness' if you like. The problem is that over the past two decades our perception of reality has changed from something 'out there' to something 'within us', a blend of external, internal, past and present stimuli, personal and collective beliefs, mediated and original ideas...”

Graham visitou a Irlanda do Norte, em 1984, no auge dos conflitos, doze anos depois do Domingo Sangrento, em Janeiro de 1972, quando os pára-quedistas ingleses mataram 13 civis nas ruas de Derry. Regressou a Londres, a casa, com imagens iguais às que saiam regularmente nos jornais. “Não me canso de tentar perceber o mundo à minha volta, a linguagem do documentário clássico já não me diz nada, foi boa quando se inventou, mas é preciso crescer, desenvolver…já não falamos como falávamos há 60 anos, então porque continuar a fotografar da mesma maneira?”. Insatisfeito voltou à Irlanda, numa operação stop, patrulhas militares interrogam-no e vasculham o seu carro, foi proibido de fotografar, nesses dias a desconfiança com os fotógrafos era grande. À distância tirou uma imagem da patrulha que se dispersava. "It wasn't how you were supposed to frame the action in those situations," confessa, "I wasn't close up. I hadn't zoomed in on any incident, things were distant and scattered. I'd returned the action to its context. It broke many unwritten rules [of documentary photography]."
Paul Graham, Roundabout, Andersonstown, Belfast, 1984
Detalhe da fotografia anterior
Novamente em casa, percebia que nessa imagem, tirada à distância encontrava a solução para a sua frustração, nos detalhes faria a sua reportagem da guerra,
Paul Graham, Army Stop and Search, Warrenpoint, 1986
Detalhe da fotografia anterior

inserida em paisagens, a sua forma de fotografar o conflito que dividia a Irlanda do Norte, o Ulster, mantida pela Inglaterra, quando esta renunciou à Irlanda em 1922.

Em “Troubled Land”, como chamou à série, não há imagens de morte nem de destruição. As tensões políticas, sociais e culturais, entre católicos e protestantes são dadas através de cartazes,
Paul Graham, Unionist poster on tree, County Tyrone, 1985
Paul Graham, do livro "Troubled Land", Irlanda, 1987

graffitis,
Paul Graham, Graffiti, Ballysillan Estate, Belfast, 1986

sinais,
Paul Graham, Unionist coloured kerbstones at dusk, near Omagh, 1985

bandeiras, (a bandeira do Exército Republicano Irlandês (IRA) que continuava a exigir a unificação),
Paul Graham, Union Jack flag in tree, County Tyrone, 1985

misturadas numa paisagem que domina, é a associação do sentimento britânico pela paisagem, como nas pinturas de um Constable, com o seu sentimento político de uma guerra que parecia não ter fim.

Em Abril de 94, era anunciado o cessar fogo. Graham volta à Irlanda, mas agora aponta a câmara para o céu, em sinal da liberdade, onde não existem fronteiras e divisões. Legendou 9 imagens com o subtítulo “Cease-fire April 1994”.
Paul Graham, Shankill, Belfast, Cease-fire, April 1994
Paul Graham, Bogside, Derry, Cease-fire, April 1994

Podemos acreditar ou não no que Graham escreve nas legendas, mas nunca saberemos se elas são reais, se foram tiradas em Abril de 94, a olhar para os céus na Irlanda.
Com a avalanche de imagens o Homem deixou de ver e se, nos primórdios da fotografia, os detalhes do daguerreótipo o espantaram, as fotografias de “Troubled Land” editado em livro, 1987, é um regresso aos primórdios, aos detalhes que nos espantam e que nos ensinam de novo a ver.

3 comentários:

Anónimo disse...

Es interesante como la historia de la fotografía corre paralela al concepto de realidad, y como esta ha ido desapareciendo a medida que avanzamos en el tiempo. No se puede hablar de mentira pero si caminamos en un terreno frágil en el que no sabemos qué estamos pisando. El trabajo de Graham siempre me ha encantado especialmente las imágenes blancas. Forzar una imagen que apenas puede contemplarse provoca la detención del espectador, al igual que en "troubled land", la huella sutil permanece, y es esta la que nos importa. El tiempo acelerado, el turbocapitalismo, nos convierte en personas ciegas. Estamos condenados a la comida rápida y a las imágenes rápidas. Propuestas como las de Graham nos acercan a una supuesta realidad y sin duda nos empuja a detenernos y a pensar. Me gusta tu blog.

Miguel

Madalena Lello disse...

Miguel, as imagens brancas de American Night são de facto belíssimas, o oposto das "imagens rápidas", Graham obriga-nos a nós espectadores a aguçar o olhar. Gosto particularmente do trabalho de Graham, sempre diferente, foi convidado a duplicar Troubled Land em Israel e África do Sul, recusou, não quer repetir a mesma fórmula. "New Europe" é também um olhar que nos faz "deter e pensar" no que a Europa actual se transformou...obrigado Miguel pelo interressante comentário.

Anónimo disse...

bom dia.
gostaria de lhe enviar o convite para a inauguraçao da minha exposiçao sobre os cinemas do Porto, no proximo dia 05 de Junho.
o meu email é ana.purple@gmail.com

obrigada

ana