Estamos a chegar ao fim de Outubro e ainda nos vestimos com as roupas frescas do Verão.
Na Idade Média, o livro de horas, livro de orações da nobreza e da burguesia rica, seguiam o ritual das horas litúrgicas dos mosteiros, sete vezes ao dia eram abertos para as orações, daí chamarem o livro de horas. Compostos por textos de evangelhos, orações à virgem, ofícios dos mortos, festas do ano litúrgico, tinham também um calendário. Na Idade Média, o poder do senhor feudal media-se pelas terras e castelos que possuia e a sociedade francesa era essencialmente rural. As actividades do homem eram estruturadas pelos ciclos das estações e pelas festas religiosas. O duque, Jean de Berry, um dos mais importantes nobres da época, irmão do rei, Carlos V, do duque d’Anjou e do duque da Bourgogne, possuia imensas terras, castelos, e uma magnífica colecção de livros: missais, bíblias, salmos, e quinze livros de horas, entre eles o célebre “Les Très Riches Heures du Duc de Berry”, agora num museu. As iluminuras do calendário do livro, pintadas pelos irmãos de Limbourg, Jean, Paul e Herman, entre 1440-1489, são hoje uma preciosidade pela beleza, minúcia e detalhe com que nos revelam os trabalhos da vida rural e costumes da época. A percepção do tempo era ciclíca, as iluminuras representam o ciclo lunar, os solstícios e os equinócios, mas acima de tudo as representações evocam o ciclo dos trabalhos rurais, tarefas específicas, que ocupavam o homem em cada mês do ano.
Outubro é o mês das sementeiras, lavra-se e semeia-se a terra.

A cena desenrola-se na margem esquerda do Sena e ao fundo vê-se o palácio do Louvre, residência do rei, irmão do duque, em Paris. As terras que estão a ser lavradas e semeadas no primeiro plano pertencem ao duque de Berry. No plano intermédio, pessoas da cidade passeiam na margem do Sena.

É Outubro e o tempo já está fresco, o camponês que semeia a terra tem as pernas e a cabeça protegidas.




Em 1950 Paul Strand deixa a América pela Europa, sete anos antes deixara também para trás o cinema documental. “Native Land” o seu último filme, leva-o novamente à fotografia, à Nova Inglaterra. Em 1945 está a fotografar a Nova Inglaterra. Em 1950 edita “Time in New England”, com textos escolhidos por Nancy Newhall. Quando chega a França procura uma aldeia para um documentário fotográfico. Juntamente com Hazel, sua mulher, percorrem o país, mas Strand não encontra a aldeia que quer. Apesar disso, Strand gostou das fotografias que tirou em França, e em 1952 edita “La France de Profil” acompanhado de um texto do poeta Claude Roy. Mas não desiste da ideia da aldeia, e em 1954 desafia o realizador de cinema, Cesare Zavattini, que o ajude a procurar o local. Enquanto foi realizador Strand imaginou o livro que agora quer fotografar, mas desta vez bate à porta certa, pede a um realizador, que o ajude a procuraar. Cesare Zavattini, realizador neorealista, explora as emoções e os acontecimentos mudanos do dia a dia. Em 1952, comenta numa entrevista “ The old realism didn’t express the real. What I want to Know is the essence, the really real, the inner as well as the outer reality”. Depois de algumas hesitações, Zavattini sugere Luzzara a Strand, a aldeia onde nascera e vivera em pequeno.
“Un Paese”, 1955, uma aldeia, é o primeiro trabalho de Strand onde os retratos são a essência do livro.



Os textos de Zavattini que acompanham as fotografias são relatos das vidas e memórias das pessoas que ficaram na aldeia, mas Zavattini não resiste e ao texto mistura também as memórias do tempo quando em pequeno viveu em Luzzara.
“ A terra nunca dá o suficiente”, escreve Zavattini em “Un Paese”, “e cada mês tem as suas tarefas precisas. Em Janeiro, com a neve preocupamo-nos com o gelo das vinhas que temos que proteger, mas acima de tudo
















Paul Strand do livro "Un Paese", "We sink the large winter boats because they stay better preserved that way, otherwise the ice breaks them apart..."Há séculos que em cada mês do ano se repetem as tarefas rurais.
Estamos em Outubro e as árvores de folha caduca estão ainda cheias de folhas, e nós na cidade ainda andamos vestidos com a roupa de Verão, pois parece que Outubro é Julho.
1 comentário:
Gostei muito. Obrigado.
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