domingo, abril 05, 2009

Beirute

Em 1978, Oliver Stone e o realizador Alan Parker aterrorizavam o Ocidente – que tanto preza os direitos humanos – com o filme “O Expresso da meia-noite”, (Midnight Express). Apanhado no aeroporto de Istambul, com umas gramas de haxixe atadas ao corpo, Billy, o jovem turista americano, julgado e condenado à prisão perpétua, iria viver um verdadeiro inferno, até quase perder a própria sanidade, nas prisões da Turquia.

Max: “The best thing to do is to get your ass out of here. Best way that you can.”
Billy: “Yeah, but how?”
Max: “Catch the midnight express.”
Billy: “But what’s that?”
Max: “Well it’s not a train. It’s a prison word for...escape. But it doesn’t stop around here”.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Durante anos, 1975-1991, no país do cedro ou das montanhas do Libano, a expressão “midnight Express doesn’t stop around there”, poderia aplicar-se ao que aconteceu no Libano, porque durante anos, foi difícil aos libaneses, (nas suas múltiplas confissões religiosas), escaparem ao verdadeiro inferno, que tanto Palestinianos, Sírios e Israelitas tentaram pela força controlar e dominar.



Em 2004, Oliver Stone, consciente do desgaste que o filme causara à imagem da Turquia, no que concerne aos direitos humanos, pedia desculpa num jornal de grande divulgação, (The Guardian, 16/12/04), por ter exagerado na crítica. Há anos, que os turcos pedem a sua integração na União Europeia, e há anos que os turcos alteram a sua constituição para cumprirem com os famosos “critérios de Copenhaga”, (no que respeita aos direitos do homem e democracia política), mas há anos que a Europa, num zig zag político, vai adiando uma resposta.
Tudo isto a propósito da escolha de Beirute, pelo The New York Times, como o primeiro destino turístico para quem planeia as férias deste ano. À semelhança do filme, que induziu no imaginário colectivo, a Turquia como um país a evitar, Beirute, pelos massacres que sofreu durante tantos anos, ficou no nosso imaginário, como uma cidade de ruínas a evitar pelos turistas.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Durante a Segunda Guerra Mundial, a França, abandonava, quer na Síria como no Libano, o mandato, que a Sociedade das Nações lhe atribuíra sobre esses territórios, aquando da divisão destes países, (Próximo Oriente), no fim da Primeira Guerra Mundial.

Em 1943, um “pacto nacional” era assinado entre as principais comunidades libanesas, que decidiram uma regra em que o presidente do Libano passaria a ser um maronita, o primeiro-ministro um sunita e o presidente do Parlamento um xiita. Mas esta democracia, reconhecida até pela intelligentsia francesa, como concluiu mais tarde, 1984, Michel Foucault, “Si le Liban est la seule démocratie des pays árabes, il faut le sauver!”, foi vista pelas organizações revolucionárias palestinianas, um alvo fácil de controlo pela debilidade que viam no aparelho do Estado. Vencidos pelo exército da Jordânia, na chamada operação “Setembro Negro”, 1970, onde tentaram tomar o poder e depor o rei, estas organizações, refugiaram-se então no Libano, e esperaram. Num Domingo, 13 de Abril 1975, dois carros armadilhados, um Volkswagen e um pouco depois um Fiat, com a matrícula escondida, como relatam os jornais da época, matavam, indiscriminadamente, um grupo de católicos que se reunia junto à porta de uma igreja num bairro de Beirute. Era o início de uma guerra feroz, de milícias rivais, que iria durar até 1990.


Sophie Ristelhueber, Beyrouth, Photographies, 1984

Esta guerra infernal, “foi marcada por dois acontecimentos espectaculares”, como relata Yves Lacoste no seu livro “A Geopolítica no Mediterrâneo”: “Em 1976, o exército Sírio entrou no Líbano, inicialmente para auxiliar os maronitas cercados em Beirute pelos Palestinianos e, depois, para se aliar sucessivamente a diferentes grupos rivais, a fim de se impor em todo o país, que só abandonará em 2004; em 1982, o exército israelita realizou uma ofensiva-relâmpago em Beirute para tentar eliminar Yasser Arafat e a OLP. Em Setembro de 1982, pouco depois do assassinato de Bachir Gemayel, chefe falangista que acabara de ser eleito presidente do Líbano, produziu-se em Beirute o massacre, por atiradores das Falanges, sem que os soldados israelitas interviessem, dos habitantes de dois campos palestinianos, Sabra e Chatila. O escândalo foi tal que uma força de interposição americana, francesa e italiana foi enviada para Beirute. Esta força retirou-se passado um mês, depois de várias centenas de pára-quedistas americanos e franceses terem sido mortos no quartel por dois enormes atentados suicidas (sem dúvida organizados pelo Hezbollah e pelos serviços secretos sírios).

Retomando esses dois momentos, que Yves Lacoste refere, em 1976, o então Presidente da Síria, o general Hafez El-Assad, que em Julho declarava num discurso que o Libano e a Síria deveriam ser um único país, era recebido com pompa e circunstância em Paris, por Valéry Giscard d’Estaing, então no Eliseu, mesmo depois da sua recente invasão no Libano. A Europa, sempre tão zelosa dos direitos humanos, fingia estar cega ao que se passava no Líbano.

Em 1982, Raymond Barre, então ministro de François Mitterrand, em Bagdad, (na terra do petróleo), ouvia esta crítica do então Saddam Husseïn: “la défaillance de Paris dans son amitié séculaire pour le Liban” que o jornal Le Monde (31/07/82) reproduzia e acrescentava “ L’homo laïcus de la rive septentrionale de la Méditerranée, avait oublié que sur la rive méridionale vit l’homo religiosus.”
Em Dezembro de 1982, a francesa Sophie Ristelhueber, “obcecada pelas ruínas”, como ela própria refere, partia para Beirute no seu primeiro trabalho a solo: “Derrière les soldats et les morts qu’il (un ami) avait photographiés, j’ai vu ce qui traduisait pour moi le drame de cette ville: les ruines. Obsédée par cette matière qui à ma connaissance n’avait pas encore été traitée, je suis partie sans demander de garantie à perssonne... ». Dois anos mais tarde, 1984, a editora Hazan, publica o livro “Beyrouth, photographies”













ao mesmo tempo que o Instituto francês de Arquitectura, em Paris, organizava uma exposição dessas imagens. Para entender esse espírito dos anos 80, nada melhor que lermos a crítica que não ficou indiferente. Patrick Roegiers, do jornal Révolution escrevia em relação à artista “une jeune femme qui s’ennuie dans nos cités confortables”. O Le Monde, que ilustrava com imagens,

numa pequena nota começava assim: “Les premiers coups de tonnerre frappent la capitale de la “Suisse du Proche-Orient" en avril 1975..."” e terminava a publicitar o livro e a exposição. No Libération, Christian Cajoulle resumia o seu trabalho desta maneira: “Elle n’est pas partie documenter, mais photographier…elle nos rapporte un document indispensable et une leçon de photographie qui joue finement avec la vogue actuelle de l’architecture...” e para concluir a agência, AFP, emitia um comunicado anónimo onde se lia : « Avec Beyrouth, le reportage de Sophie Ristelhuber sur les ruines d’une ville qui n’a plus de visage, L’Institut français d’architecture montre à quoi ressemblent des ruines modernes....il ne s’agit que de bâtiments. De bâtiments mediocres, qui avaient été construits rapidement au cours des cinquante dernières années,



et qui ne temoignent d’aucune recherche architecturale...
» e terminava « ...comme il y a des films d’horreur, il y a une architecture de l’horrible. Exposition ouverte jusqu’au 14 avril ».
Num país, onde 90 soldados franceses perdiam a vida com bombas de kamikases, a crítica entretinha-se com a “vogue actuelle de l’architecture”.

Quando a guerra acabou, 1991, seis fotógrafos de renome foram convidados a fotografar Beirute.
Robert Frank, numa dialéctica entre filme e fotografia, à semelhança do que já tinha feito em “Fantastic Sandwiches Venice” em Los Angeles, 1975, monta as suas polaroids de forma cinemática num livro de notas que a Steidl editou em 2006.







Gabriele Basilico, arquitecto de formação e fotógrafo por prática, fotografa as ruínas de Beirute, na mesma linha como fotografa Berlim. Cidade deserta, vazia, onde numa busca constante dos pontos cardeais, regressamos, sem o esperarmos, ao mesmo ponto, porque o que contornámos foi o quarteirão e agora vemos o mesmo edifício (ruínas) de um outro ângulo.






Agora, em lugar dos edifícios medíocres construídos rapidamente nos últimos anos, como referia a nota da AFP, Beirute, repleto de edifícios, iguais em todo o mundo, já se pode transformar num destino turístico internacional.(Aqui, um post muito interessante, de Diogo V. em Beirute).
Agora, é tempo de limparmos da memória, as ruínas de um modernismo interrompido que tanto “obcecaram” os fotógrafos e finalmente, agora, é tempo, de olharmos o quanto zelosos foram os Ocidentais no que respeita os direitos humanos no Líbano.

1 comentário:

tasjaber disse...

Fabuloso post sobre o drama Libanês. Parabéns pelo Blog, apesar de não o frequentar amiúde, é sempre um prazer passar por cá.