quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Regreso à ordem

Em 1932, no auge da Grande Depressão, a taxa de desemprego dos Estados Unidos disparava para um número inacreditável: 25% da população activa via-se sem trabalho.
Com a grave crise económica, que se alastra há mais de um ano, as comparações com a Grande Depressão são inevitáveis, e a Mãe Migrante, (1936), Florence Thompson, a viúva de trinta e dois anos com seis filhos, que Dorothea Lange fotografou em Nipomo, na Califórnia, salta novamente para as páginas dos jornais, como o retrato icónico da Grande Depressão.


Walker Evans, Morgantown West Viriginia, 1935, do livro American Photographs, 1938

Esta fotografia documental, Mãe Migrante, como revela o próprio título, conta a migração, em direcção à Califórnia, das milhares de famílias, oriundas da bacia de areia do estado do Oklahoma, que não tiveram outra alternativa, senão deixar para trás as suas terras fustigadas pela seca. Agora, retirada do contexto, é reduzida a mera ilustração de textos que proliferam sobre a actual crise. A falta de imaginação, criatividade e até de bom-senso, (quem afinal hoje se importa com estas coisas? não estão todos fartos do sentimentalismo e lamechices dos humanistas?), alastra-se entre os jornais e revistas e infelizmente também na blogosfera.
Walker Evans, numa nota sobre o seu livro, “American Photographs”, 1938, o livro mais importante da Grande Depressão, escrevia: “a história é feita de múltiplos momentos e o fotógrafo não tem necessidade de batalhas militares para fornecer imagens dos conflitos…mas precisamos de ver mais sobre a nossa época, muito para além das ilustrações dos jornais da manhã”. Evans se ainda fosse vivo, certamente diria, precisamos de ver mais…

No ano em que Lange tirou a fotografia, 1936, Roosevelt era reeleito, passavam seis anos do crash, e o presidente ainda declarava: “Vejo um terço da nação mal alojado, mal vestido e mal alimentado”. Walker Evans, tal como Lange e tantos outros fotógrafos, que trabalharam para a “Farm Security Administration”, vulgo FSA, tinham como objectivo abrir os olhos da população, dando conta da realidade por que passava o país.

Com os efeitos da crise de 1929, um retorno ao real, era visível ao nível das artes em geral, quer na América como na Europa. Sem renunciarem à liberdade criativa, os artistas confrontavam-se com a realidade objectiva onde procuravam um novo rigor, deixando para trás, todos os ismos, (cubismo, surrealismo, construtivismo…) dos anos anteriores. “Regresso à ordem”, foi como os críticos classificaram os movimentos artísticos desta década, que a Europa via terminar, 1939, com a Polónia invadida.
Pintar e fotografar o que viam à sua volta, dentro de uma linha que denunciava a tragédia social desencadeada pela depressão económica, converteu-se no meio de se chegar ao significado essencial das coisas, a decadência da sociedade. Na América, Edward Hopper, Grant Wood, Thomas Benton…, os “American Scene”, na frontalidade de um alinhamento de casas de uma Rua Principal (Main Street),


Edward Hopper, Early Sunday Morning, 1930


Walker Evans, Main Street Block, Selma, Alabama, 1936

acabaram por retratar a verdadeira atmosfera do país. Walker Evans, que em 1929, ainda sob influência dos ismos, fotografava a Brookline Bridge de Nova Iorque, também se fartava do grafismo da Nova Objectividade alemã, teorizada por László Moholy-Nagy. Em 1935, numa viajem ao sul pobre do algodão, a preferência nítida pela frontalidade, é-nos dada na arquitectura destas casas sulistas.


Walker Evans, New Orleans Houses, 1935


Walker Evans, French Quarter House in New Orleans, 1935

De uma simplicidade espantosa, muito próximo do estilo anónimo dos bilhetes postais,


Bilhete Postal, colecção Walker Evans, West Evans Street, Florence, South Carolina, c. 1910


Walker Evans, Greensboro, Alabama, 1936

que tanto gostava e coleccionava, a tipologia das casas, era para ele suficiente, a casa, o abrigo sagrado desta gente, no alpendre,


Walker Evans, New Orleans, Louisiana,1935

o local ideal para o retrato de família. Em 1947, em companhia de Truman Capote, Cartier-Bresson, percorre a mesma região. Em New Orleans, talvez por se sentir em França, Bresson, entra pela porta que Evans deixara aberta – e encontra o sagrado nos gestos e atitudes, mais do que nas coisas.


Henri Cartier-Bresson, New Orleans, 1947

Regressemos à primeira imagem, à Rua Principal (Main Street) duma cidade tipo americana, que por acaso se chama Morgantown, onde dois jovens, de olhar desconfiado estão encostados a um Banco. Morgantown, será a terra do banqueiro com o mesmo nome?
“Morgantown, West Virgínia”, é a prancha #39, da primeira parte do livro “American Photographs”. A fotografia que a antecede, #38, é tirada em Truro no Massachustts, e corresponde ao interior de uma casa portuguesa,


Walker Evans, Interior Detail of Portuguese House, 1930

e antes desta, estamos novamente em New Orleans, numa pensão que aluga quartos por $1.00.

Obcecado em romper com o standard da imagem única dos jornais, Evans, colecciona em “American Photographs” um conjunto de imagens que sabiamente organiza,






(e o fotógrafo não tem necessidade de batalhas militares para fornecer imagens dos conflitos)

e que se enriquecem na companhia uma das outras, ver mais aqui. Em comum, o facto de serem tiradas num mesmo país.
Evans se fosse vivo, ao ver Mãe Migrante a servir de mera ilustração, diria certamente, é preciso ver mais…

2 comentários:

Anónimo disse...

Obrigado pela chamada de atenção.
É mesmo precisso ver mais...

Madalena Lello disse...

...e a dupla que se encosta ao Banco Morgantown, lá sabe por que olha desconfiada...