sexta-feira, novembro 07, 2008

Pherographia: Drawing by Ants

Inaugurou hoje na p4photography a exposição “Timor Mortis Conturbat me” de Carlos Miguel Fernandes.



A origem da vida é um mistério, o futuro do homem, no extremo oposto, um outro mistério, no meio intercalam-se os mistérios da vida que o homem incessantemente procura desvendar.

Em 1859 Darwin publicava a “Origem das Espécies”, obra primordial da ciência que contribuiu para ampliar a nossa visão do mundo abrindo o espírito do homem a uma abordagem global.
Lembro-me no liceu, na disciplina de Ciências da Natureza, estudar a experiência de Miller. Miller, na década de 1950, simulava no laboratório as condições que pressupostamente existiam nos primórdios da terra. Ainda registo em memória, a fotografia, reproduzida no compêndio, do seu laboratório, onde se via um intrincado circuito de balões de vidro com líquidos em ebulição. Miller tentava decifrar a origem da vida, e chegara aos aminoácidos, a partir dos quais se constroem as proteinas, material fundamental da matéria viva. As suas experiências situavam o problema da origem da vida no contexto evolutivo, no entanto faltou decifrar o passo essencial, a ligação entre a matéria inerte e a matéria viva.
Mas no próprio momento em que se descobriam as unidades mais simples da matéria e da vida, a ciência progrediu, e o modelo analógico deixou de servir porque se tornou impossível estudar a natureza de forma aditiva e linear – o homem percebia que a complexidade da natureza só poderia ser estudada com novos instrumentos que abordassem essa complexidade organizada. A necessidade aguça a inovação e logo o homem criou instrumentos que permitiram estudar a natureza através de uma outra abordagem - a sistémica. Hoje os computadores são os novos laboratórios onde se estuda a vida e os fenómenos naturais, e onde é possível a simulação de experiências utilizando universos artificiais. É neste contexto, dos universos artificiais que se situa o trabalho de Carlos Miguel Fernandes,



e o universo escolhido, uma colónia de formigas artificiais. Num habitat, criado artificialmente, o estudo centra-se nas interações das formigas artificiais e a sua adaptação a um novo ambiente. Uma formiga isolada não conseguiria criar as figuras que, agora, podemos ver na exposição, sendo necessário um número mínimo delas para se estabelecer uma rede de comunicações que resulta numa imagem. Dispersas no início, ocupando o espaço total, concentram-se ao fim de um determinado tempo nas zonas onde o contraste da imagem digital é maior, deixando livres os locais onde quase não existe contraste. Nesses locais de maior contraste, as formigas concentram-se e libertam feromona (artificial) resultando o desenho. Carlos Miguel Fernandes fotografa os desenhos que resultam da feromona libertada, mas também os desenhos formados pela concentração das formigas - um novo pontilismo da electrónica.



As formigas, uma das espécies mais antigas, são a espécie animal mais numerosa, mais diversificada, mais activa, talvez a mais forte da criação. As formigas cultivam a terra, constroem cidades, apagam fogos, organizam migrações...e não sofrem modificações sensíveis há mais de 600 milhões de anos. Nas suas actividades intensas e multiformes notou o homem uma repetição escrupulosa e infalível. Na década de 1960, alguns cientistas, que acreditavam que a evolução das espécies continuava, viram nestas colónias de formigas o hipotéctico homem do futuro. Nas suas hipóteses previam que a consciência e inteligência do homem tendiam a desaparecer e em substituição uma repetição automática e perfeita das mesmas funções continuaria a manter a espécie humana. Hoje sorrimo-nos com tal hipótese, porque o homem, pela ciência actual já não é visto como um somatório de comportamentos. A natureza humana é complexa, e os seus comportamentos só são compreensíveis se analizados por sistemas que o estudem em interação com o seu meio total.
Lembro-me de sorrir, ao estudar ainda no liceu, a experiência de Jean Baptiste Van Helmont (1577-1644) que fornecia uma receita para fabricar ratos em 21 dias. Bastava juntar grão de trigo e uma camisa suada de um homem dentro de uma caixa. O suor desempenhava o papel do princípio vital - Van Helmont acreditava no princípio da geração espontânea.
O universo artificial criado por Carlos Miguel Fernandes está longe de extrair tais hipóteses, bem pelo contrário. A ciência evoluiu da química, dos balões de ensaio de Miller para a electrónica, para o universo artificial dos computadores. A fotografia também ela evoluiu da química, dos sais de prata para a electrónica, os pixels, estamos agora na era da fotografia digital, mas este salto evolutivo da ciência foi tão grande que atordoou os mais cépticos.




Julgou o homem que a fotografia desapareceria, como desapareceram muitas das espécies de forma brusca e inexplicável, mas felizmente a fotografia continua, e Carlos Miguel Fernandes, engenheiro e fotógrafo, apoia-se na realidade dos factos, num conjunto de negativos de retratos de anónimos que ainda tresandam a fixador de tão mal lavados, para realizar as suas experiências com os novos universos artificiais, criando uma espécie de câmara digital onde formigas artificiais desenham com feromona os contornos dessas fotografias, procurando nesta integração, analógico - digital uma nova abordagem que apela a imaginação.



Mas falta referir uma parte fundamental do modelo – a evaporação que elimina, tal como o fixador da fotografia analógica, o que não interessa e sem ela, o modelo não produziria os resultados que se observam. É a evaporação que permite às formigas corrigir erros ou readaptarem-se a um novo ambiente.



Carlos Miguel Fernandes compara a evaporação ao esquecimento propondo uma possível analogia com os fenómenos neurológicos, como Chialvo e Milonas que defendem poder existir uma analogia entre o comportamento das formigas e a auto-organização dos neurónios.

Há uns meses atrás, depois de uma visita ao Instituto Superior Técnico, maravilhada com a “Pherographia: Drawing by Ants” de Carlos Miguel Fernandes, pedi-lhe que escrevesse um texto para publicar neste blogue.
“Onde está a fronteira entre a obra de Engenharia e a obra de Arte?”, interroga-se.

O mistério da vida continua por decifrar, como por decifrar está o mistério da Arte na Ciência.


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