sábado, setembro 27, 2008

"To big to fall"/ "To big to fail"

No dia 8 de Novembro de 1989, nem berlinenses nem ninguém imaginava que o muro que dividia a cidade de Berlim se desmoronasse no dia seguinte, “to big to fall” assim julgavam.

John Gossage, Berlin East, 1987

Mas do lado de lá do muro, a economia planificada estava num grau de decadência que ninguém imaginava, e a queda foi inevitável.

Em Junho de 1961, Kruschev lançava um ultimato a Kennedy - a América deveria abandonar a cidade de Berlim. Kennedy respondeu que não deixaria de assumir os seus compromissos que decorriam dos acordos de Potsdam, e aumentou a presença militar. A 19 de Agosto de 1961, trabalhadores e soldados de Berlim Leste erguiam um muro ao longo da cidade.


John Gossage, Berlin East, 1987

Nas semanas seguintes, o muro foi elevado, fortificado, e acrescentaram-se projectores,


John Gossage, Berlin East, 1985


John Gossage, Berlin East, 1983

arame farpado e postos de guarda.


John Gossage, Berlin East, 1984

As ruas e praças cortadas ao meio, eram agora sujeitas a um policiamento apertado.


John Gossage, Berlin East, 1982

Hoje surpreende como foi possível um país como a Alemanha, a maior potência económica europeia, resignar-se a ficar dividida por um muro, durante quarenta anos.


John Gossage, Berlin East, 1982

Nestes últimos dias, nem Wall Street nem ninguém imaginou que a Reserva Federal americana deixasse desmoronar a banca de investimento - “to big to fail” julgaram imprudentemente as chefias, confiantes nas autoridades financeiras que os havia habituado ao “risco moral” - à intervenção sempre que o sistema bancário era colocado em perigo.


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

Mas os riscos escondidos nos balancetes são de tal ordem “tóxicos”, que a falência foi inevitável, agora um deles, o JP Morgan, tornou-se, num abrir e fechar de olhos, no maior banco de depósitos da América, ao adquirir ontem a parte comercial do falido Washington Mutual. Há um ano, quando as campainhas começaram a tocar, julgou-se que a crise do subprime seria restrita e fácil de controlar, pensaram: “How could problems with subprime mortgages, being such a small sector of global financial markets, provoke such dislocation?”,


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

e hoje surpreende como foi possível que a actual crise financeira mundial, tenha tido origem nos subúrbios americanos.

No final da Segunda Guerra Mundial, a indústria financeira – bancos e mercados – era regulada de forma rígida e a segurança era a preocupação suprema. Nesses anos na Europa, a procura da riqueza era considerada amoral, se não mesmo imoral e a especulação estava arredada desta indústria.
Quando nos anos 70, as barreiras ao movimento de capital foram levantadas, e o ouro foi arredado como âncora, as poupanças do mundo foram atraídas para o país do dólar. Lentamente no início, atingiu um crescendo nos anos 80. A liberalização estava em marcha, as restrições impostas na Grande Depressão foram gradualmente retiradas e com ela a introdução de novos instrumentos financeiros, que se tornaram cada vez mais sofisticados. Julgou-se que os mercados financeiros se equilibrariam e os reguladores do mercado perderam a capacidade de calcular os riscos envolvidos. Quem duvidava do modelo concebido para eliminar qualquer risco dos dois prémio Nobel que geriam o hedge-fund LTCM? Na prática o modelo que funcionava em circunstâncias normais ignorou, em 1998, o incumprimento da dívida Russa, e em poucas semanas perdia mais de $4 biliões, o “to big to fail” funcionou e o auxílio chegou a tempo de estancar o colapso financeiro.


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

Hoje as perdas já contabilizadas no subprime ascendem a $560 biliões e aguarda-se que o plano de salvação de $700 biliões seja aprovado. Como é que tal foi possível?
Para evitar uma recessão, depois do ataque 9/11, a Reserva Federal baixou as taxas de juro para 1% e manteve-a até Junho de 2004. O mercado imobiliário, estimulado por dinheiro fácil, começou a crescer e enormes fluxos de dinheiro enchiam os bancos comerciais, que por sua vez passaram o fluxo de liquidez para a banca de investimento e outras instituições financeiras. As hipotecas foram divididas em muitas tranches, e convertidas em obrigações de dívida colaterizada, os chamados CDO, e novamente vendidas. As duas maiores e mais credíveis agências de rating, Moody’s e Standard & Poor’s, irresponsavelmente atribuíram a muitas dessas obrigações, a notação “triple A”, AAA, o nível mais alto. Qualquer gestor sério, perante tal notação e rentabilidade oferecida, não hesitou em comprar para os portfólios dos seus fundos/clientes, tal dívida. Num instante a dívida dos subúrbios americanos espalhou-se pelo mundo. Julgaram os reguladores, que tamanha divisão da dívida tornaria o sistema financeiro mais estável, porque ao espalhar, em vez de concentrar em alguns bancos, o choque dos incumprimentos seria mais fácil de absorver.


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

Os juros subiram e com ele os incumprimentos – e agora vive-se a falência do crédito hipotecário, o fim de um ciclo que durou sete anos. A nova engenharia financeira, que juntou as hipotecas das casas a títulos de dívida - CDO, CDF (credit default swap)... iniciada em 2004, revelou-se o verdadeiro descalabro.

Nos anos que se seguiram à queda do muro,


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

Berlim viveu a exuberância da construção e durante anos transformou-se numa cidade de estaleiros. O crítico e historiador de fotografia, Gerry Badger, visitou Berlim, quando escrevia o prefácio do livro “Berlin in the time of the wall” de John Gossage. Para o americano Gossage, fotografar Berlim foi fotografar a história onde o muro está sempre presente. As fotografias de Badger, tiradas no ano passado e em Fevereiro deste ano “come from a new book I’m working”, diz o autor. A Berlim de Gossage é diferente da Berlim de Badger, o primeiro fotografou-a no tempo do muro,


John Gossage, Berlin East, 1988

Badger fotografou-a agora,


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

mas onde os destroços do muro ainda perduram, tal como os malefícios da actual corrupção financeira irá perdurar por muitos anos.

Agora, tal como Kruschev em 1961, erguem-se muros e barreiras para regular o mercado,


Gerry Badger, Berlim 2007/Fevereiro 2008

os reguladores devem sim recuperar o controlo das actividades da indústria, mas voltar às condições do segundo pós-guerra seria fatal, como seria fatal que o Ocidente ergue-se agora um novo muro.


John Gossage, Berlin East, 1983

1 comentário:

Anónimo disse...

Alguns muros caem, porém muitos outros se levantam. Infelizmente.
As fotografias são impressionantes, de fato.