sábado, junho 07, 2008

"Lisboa e Tejo e Tudo..."

Sempre que um post já vai longo, mas ainda restam fotografias que quero mostrar, digo ao leitor que continuo no próximo, e hoje não falto à promessa com os contrastes dessa “Lisboa e Tejo e Tudo…”, como cantou Fernando Pessoa.

António Sena, no seu livro, “História da imagem fotográfica em Portugal – 1839-1997”, recorda assim os anos da sua galeria: “Em 1982 é formada a associação e galeria Ether/Vale Tudo Menos Tirar Olhos (1982-1996), sendo fundadores Leonor Colaço, Luis Afonso, Madalena Lello, António Júlio Aroeira, António Sena, José Soudo e Alfredo Pinto, exclusivamente dedicada à fotografia e completamente desligada de qualquer filiação em anteriores Associações Fotográficas. O objectivo da Ether era colmatar as resistências e dificuldades da divulgação da fotografia portuguesa…”. António Sena, o impulsionador do projecto, abria a 15 de Abril desse ano, as portas da galeria com a exposição “Lisboa e Tejo e Tudo” de Victor Palla/Costa Martins.
Madalena Lello, Abril, 1982, Exposição "Lisboa e Tejo e Tudo"
No nº 25 da Rua Rodrigo da Fonseca, a fachada fora transformada para acolher o espaço da galeria. Um longo e vertical tubo de queda, com todo o seu volume saliente de forma cilíndrica, foi pintado de amarelo. Na parede estreita por cima da porta uma pintura em faixas de cinzento simulava a transposição das intensidades maiores ou menores da luz – o princípio base da fotografia a preto e branco. A fachada dava nas vistas, e quem por ali passava não resistia a parar. E foi o que aconteceu a um fiscal da Câmara que por ali passando em rotina de serviço, deparou com a obra feita de um dia para o outro. Teve que fazer um ofício, mas não resistiu a deixar um bilhete algo inesperado: “Isto foi feito ilegalmente, mas está lindo. Passem por lá para ver se resolvemos a contento.”, e resolveu-se, porque o fiscal tinha olhos.

Ether, designava a natureza da luz – algo volátil e etéreo nos finais do século XIX, quando ainda não se conhecia exactamente a sua composição, à ciência acrescentou-se a sabedoria popular - Vale Tudo Menos Tirar Olhos, porque abrir os olhos para a imagem fotográfica era a essência do projecto.

Na exposição, “Lisboa e Tejo e Tudo…”, os poemas de Pessoa, “Não: não quero nada nada me prende a nada”,
“queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?”,
“queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?”,
“Outra vez te revejo, Mas ai, a mim não me revejo”…,
escritos a preto em grandes placas de madeira pintadas de branco, conjugavam com a selecção das fotografias inéditas de Victor Palla e Costa Martins, tiradas, entre 1956-59, para o livro “Lisboa, cidade triste e alegre”. No lado oposto, na outra parede, mostravam-se os originais de maquetagem – poemas, fotografias, ozalides, (encontrados no meio dos fascículos), e desenhos.
Encadernaram-se alguns dos exemplares, como o que vemos nas mãos de Victor Palla,
Madalena Lello, Abril, 1982, Exposição "Lisboa e Tejo e Tudo"
que restavam do livro editado em fascículos, em 1959, e um catálogo/cartaz, desdobrável, onde se conta a história do livro junto com a reprodução das fotografias expostas.

E agora olhemos para o cartaz, onde os contrastes saltam à vista.
A escolha das duas fotografias, não obedeceu a critérios estéticos, nem tão pouco foi aleatória. A fotografia de cima, uma varina junto ao cais das colunas carrega à cabeça, o pescado. A sua silhueta e a varanda de pedra que acompanha o Tejo na Avenida da Ribeira das Naus, estão na penumbra, e no negrume, se nós quisermos, vemos um L.
Na outra fotografia, será que é um jovem casal que arrenda uma nova casa lá para os lados das Avenidas Novas? Não sabemos. Um X, pintado em branco no vidro da porta, é sinal de obra recente.
Agora é só juntar o L negro da penumbra, ao X branco do vidro, Lx, porque estamos em Lisboa, e haverá maior contraste entre o branco, que tudo reflecte, a soma das cores do arco-íris, e o preto, que tudo absorve, não deixando escapar nada? Sim, o contraste entre o rio e a cidade nova, que se construía, e que não escapava aos fotógrafos.
Agora olhem para o livro, que também já aqui vimos, e sigam como os autores, Palla e Martins, passam, de forma magnífica do tema das varinas para a Baixa Lisboeta:
“Página 96: Última fotografia do rio. O altivo olhar da mulher da esquerda conduz o nosso para o próximo tema. É bem claro que a metade esquerda desta cena pertence à sequência anterior, e a direita à seguinte: vamos sair dum cais onde os homens e as mulheres não se vestem de maneira muito diferente da de superficiais mas em que as coisas também não se transformaram, afinal de contas, muito consideravelmente”. Cinematográfico?

Olhemos então para o contraste, entre o rio, onde a presença é tão forte na fotografia portuguesa desses anos, e o urbanismo, que marca o início de uma nova fotografia, com Paulo Nozolino a servir de farol.

Em 1967, perto do Natal, Jorge Guerra, fotografa a sua Lisboa:
Jorge Guerra, No cais em Alcântra, Lisboa, 1967
Jorge Guerra, Jardim das Janelas Verdes, Lisboa, 1967
Jorge Guerra, Pai e filho à beira do Tejo, Lisboa, 1967
De costas para a Europa, os portugueses contemplam o oceano, no cais das colunas – “a porta aquática de Lisboa”, a espera é longa e à beira-mar as pessoas transforma-se em estátuas.
Jorge Guerra, Cais das Colunas, Terreiro do Paço, Lisboa, 1967
Jorge Guerra, chama à sua Lisboa: “Lisboa, cidade de sal e pedra”, infelizmente não saiu em livro, ficou em projecto.
Jorge Guerra, Terreiro do Paço, Lisboa, 1967

Paulo Nozolino, nos anos 80, fotografou em Lisboa. E numa bomba de gasolina da cidade, que hoje rareiam, Nozolino, fotografou este “boca de sapo” a encher o depósito.

Paulo Nozolino, Nightride, Lisboa, 1981

Ninguém começa sozinho, é difícil de fugir às influências e Nozolino também não escapou,

Robert Frank, Motorama, los Angeles, do livro "The Americans", 1959

mas um bom fotógrafo distingue-se quando transcende os grandes clássicos da história, como nestas fotografias,

Paulo Nozolino, Squatters, Lisboa, 1982

Paulo Nozolino, Olivais Sul, Lisboa, 1980

que já não lembram as obras de outros. De costas para o rio, olha-se agora para dentro, para a Europa.

Os tempos mudam, os fotógrafos, os verdadeiros, tem um faro, uma antena, e captam o “ar do tempo”, melhor que ninguém.

Nota: Na revista Fotodigital do mês de Maio, no texto “Um “Olhar” sobre a APPh” de Ângela Camila Castelo-Branco/António Barreto, lê-se: “O António Sena, em tempos proprietário e animador da galeria “Éther, só não vale tirar olhos”…” tem esta gralha na designação da galeria, razão porque aproveito este post para fazer a devida rectificação.

3 comentários:

almagrande disse...

Os meus parabéns pelo seu blogue,só o descobri hoje mas terei que regressar.Fantásticas fotos e uma escolha criteriosa.

Madalena Lello disse...

"Navegar é preciso; navegação e outras mareações", o título do seu blogue, que tb só hoje o descobri, com fantásticas fotografias de barcos à vela veio bater à porta certa, a casa de velejadores...Quando em Junho do ano passado o campeonato mundial de vela se instalou em Cascais, e que os jornais e televisão mal deram notícia, um post com as peripécias dos velejadores, construção de barcos à vela...foi aqui também mostrado. Confesso que não vejo muitos blogues, mas "Navegar é preciso" não vai escapar...

Anónimo disse...

Como não encontro email deixo-lhe aqui mesmo o mote. Gostaria imenso da sua opinião ou, quem sabe, um post aqui no saisdeprata sobre o tópico:

http://blog.imagemlatente.com/?p=105

(compreendo que assim entendendo apague o comentário uma vez que não vem a propósito do presente artigo)