sexta-feira, abril 18, 2008

Maio de 68, a revolta que veio dos subúrbios

Se a Primeira Guerra Mundial gerou um efeito de politização e radicalização, como a Frente Popular, (1936), em França, a Segunda Guerra, causou uma profunda exaustão quer física como intelectual, e teve um efeito contrário, um anseio profundo pela normalidade. Preferia-se a tranquilidade, deixando Moscovo, sob o comando de Nikita Kruschev, construir em três dias, um muro grosseiro que dividiu a cidade de Berlim, (Agosto de 1961), a uma terceira guerra mundial. Com a promessa americana, depois de erguido o muro, de que os Estados Unidos defenderiam a Europa contra a União Soviética, a famosa declaração de Kennedy “Ich bin ein Berliner”, eu sou um Berlinense, sossegaram a Europa.
Dividida em duas, a Europa Ocidental assistiu então a um resurgimento de Estados democráticos liderados por homens mais velhos (Adenauer, De Gaulle, Macmillan),

Jean Lemaire, Libération de Paris, défilé du Général De Gaulle, 26 Août, 1944

cujo credo político comum era “nada de experiências”. Uma política de estabilidade foi condição fundamental para o crescimento económico e afastou assim as esperanças mais revolucionárias. As calamidades do passado ainda estavam frescas na memória dessa geração.
Os anos 60 viram então o apogeu do estado europeu. Com o impacto social da explosão demográfica no pós-guerra a escassez de habitação tornou-se num dos maiores problemas dos governos.
Jean-Philippe Charbonier, Le Scandale des mal-logés, La Courneuve, 1952

O mesmo se sentiu com o ensino, em que as escolas e universidades ficaram a abarrotar. Em 1968 a França contava com oito milhões de estudantes, 16% do total nacional. Para além da pressão demográfica, a maioria das crianças, que até à década de 50 abandonava a escola depois de concluída a escola primária,
Ilse Bing, Deux écoliers à l'Odéon, 1952

continuava os estudos com a escolaridade obrigatória. O número dos que frequentavam a escola secundária, aumentou cinco vezes e o ensino universitário deixou de ser restrito, em 1968, 600 000 estudantes frequentavam as universidades, mais de metade que no inicio da década. Uma brecha abria-se entre o mundo deles e aquele que os pais tinham conhecido.
Foi então necessário construir para alojar e educar tanta gente. Múltiplos blocos habitacionais, “grands ensembles”,
Postal, O melhor dos mundos, 1950
Postal, O melhor dos mundos, 1950
Postal, O melhor dos mundos, 1950

inspirados em Le Corbusier,
José Manuel Ballester, Paris, LDS, 2004

cresceram como novas cidades à volta de Paris, e esses blocos de betão armado, desenraizados e sem serviços locais, tornaram-se em dormitórios inóspitos. Mas mesmo no centro da cidade, em Montparnasse, em Março de 1959, a Junta de Construção em França aprovou o projecto da futura Tour Montparnasse, cujo relatório concluía: “Paris não se pode permitir perder-se no passado. Nos anos vindouros, Paris tem de sofrer grandiosas metamorfoses”.
Marc Riboud, Construction du Centre Georges Pompidou, c. 1976
Robert Doisneau, Démolition des derniers pavillons des Halles de Baltard, 1974

Este era o espírito dos anos 60, um corte radical com o passado, na escala, nos materiais, no design e também um corte radical com a geração anterior. Hoje assistimos à implosão desses dormitórios de fachadas de betão estalado e de alamedas ventosas, feios, sem alma, sufocantes e desumanos.
Mathieu Pernot, La Courneuve, 8 de Junho, 2000
Mathieu Pernot, La Courneuve, 8 de Junho, 2000

Em Nanterre, um desolador subúrbio a ocidente de Paris, foi o local escolhido para à pressa se construir uma nova extensão da universidade de Letras e Ciências Humanas. Para lá chegarem, os 12 000 estudantes que a frequentavam apanhavam o comboio na Gare de Saint-Lazare e saia na estação com um nome evocador, La Folie-Complexe universitaire. Até aí, o Quartier latin, bem no centro da cidade era o centro dos estudantes universitários. Viver na cidade rodeado de livrarias, cafés, lojas, não se compara com os locais inóspitos dos subúrbios.
Peter Cornelius, Boulevard Saint-Michel, 1956-1960
Peter Cornelius, Place Saint-Michel, 1956-1960

Não é de estranhar portanto que a geração que cresceu e estudou nessas cidades de cimento
Willy Ronis, Porte de Vanves, Paris XIV arrond. 1957

se revolte contra o sistema, e foi em Nanterre,
Agência AGIP, Rue des Archives, Universidade de Nanterre, 23 Março, 1968
que o estudante Daniel Cohn-Bendit desafiou o ministro da Juventude, acusando-o de nada fazer em relação às proibições nos dormitórios femininos da universidade. O ministro respondeu à provocação, sugerindo que se ele tinha problemas sexuais o melhor era saltar para a esplêndida piscina nova. “Isso”, respondeu o meio alemão Bendit, “é o que a Juventude Hitleriana costumava dizer”. A universidade ameaçou-o com medidas disciplinares, seguiram-se manifestações, que levaram à prisão os estudantes mais radicais. Nanterre foi fechado, e duas semanas depois, a acção centrou-se à volta da Sorbonne, no centro de Paris, e a política passou para as ruas.
Edouard Boubat, Maio 1968, Paris
Guy Le Querrec, 1968
Robert Doisneau, les pavés devant le 29, Boulevard Saint-Michel, 4 mai, 1968

Nos anos sessenta, uma nova geração cortava com a geração dos pais e avós, que ainda dirigiam o país. Os estilos tradicionais de autoridade e disciplina não tinham conseguido acompanhar as rápidas transformações sociais e culturais, cujas influências vinham sobretudo de Londres. A “Swinging London” como lhe chamou a revista Time em Abril de 1966, colocou uma luz distintiva sobre a época, e a música por assim dizer, protestava em seu nome, ouvir música pop, usar mini saias, o amor livre, era fazer troça dos pais escandalizados.
A violência das revoltas do terceiro mundo, o mito Che Guevara, a revolta cultural na China de Mao, o protesto contra a guerra do Vietname, o interesse por ler Marx,
Bruno Barbey, Maio 1968, grupo de estudantes ocupam a Sorbonne
Bruno Barbey, em frente ao liceu Condocet, 8, Rue du Havre, 29 Maio 1968

um Marx humanista surpreendentemente moderno que se adaptava na perfeição aos gostos e modas contemporâneos e lhes ensinava como mudar o mundo: como transformar a consciência “alienada” e libertar os seres humanos da ignorância da sua verdadeira condição e capacidades; como inverter a ordem de prioridades na sociedade capitalista e colocar os seres humanos no centro da sua própria existência, eram no final o motor das manifestações. De facto o desenterrar um Marx novo e aparentemente diferente foi crucial para a atracção pelo marxismo durante estes anos. Hoje, alguns dos mais proeminentes animadores de Maio seguiram por uma carreira política convencional, Daniel Cohn-Bendit, expulso de França em Maio, foi um respeitado vereador em Frankfurt e hoje um representante do Partido Os Verdes no Parlamento Europeu.

Maio de 68 entrou na mitologia popular quase que de imediato, como uma luta contra o marasmo entorpecedor e cinzento dos homens do passado. No dia 30 de Maio, a polícia recebeu instruções para reocupar os edifícios das universidades, a assembleia dissolveu-se e nas eleições que se seguiram o partido gaullista obteve uma esmagadora vitória, garantindo uma impressionante maioria na Assembleia Nacional. Os estudantes foram para férias.
Robert Doisneau
Robert Doisneau
Robert Doisneau

No movimento estudantil, e tantos escolhiam o curso de sociologia, ninguém se lembrou de contestar a “alienante” arquitectura urbana na Europa Ocidental durante esses anos, onde nas principais cidades da Europa se assistiu, com uma falta de imaginação e visão impressionante, de arquitectos, sociólogos e urbanistas, à construção de projectos de alojamentos em massa, à erupção de novas cidades de densidade ultra-elevadas, sem reconhecerem a falha colossal de uma oportunidade perdida de planeamento urbano.
Georges Marchais, dirigente do Partido Comunista Francês, desdenhava a revolta, “aquilo era uma festa, não uma revolução”. As manifestações estudantis tinham todo o simbolismo de uma revolta francesa tradicional, manifestantes, barricadas nas ruas, ocupações de edifícios, exigências políticas, mas nenhuma substância. Para Marchais, os estudantes que agora desciam às ruas eram esmagadoramente da classe média, e muitos da própria burguesia parisiense, “fils à papa”, chamava-lhes ironicamente. Eram os seus pais e avós que olhavam para eles das janelas de confortáveis edifícios de apartamentos burgueses.
Edouard Boubat, Au Quartier Latin, Mai 1968
Ontem o canal Arte, no seu programa especial de Maio de 68 passou “Les innocents”, 2003, de Bernardo Bertolucci. Bertolucci filma o que Marchais desdenhava, os filhos da classe burguesa, que vivem em bons apartamentos e que bebem o bom vinho da garrafeira dos pais , vão para a rua, juntar-se aos estudantes.

Hoje, os franceses melhor que ninguém sabem as consequências desse urbanismo desastroso, e no pós-guerra os fotógrafos, chamados hoje de humanistas, perceberam que “Nos anos vindouros, Paris tem de sofrer grandiosas metamorfoses”.

Foi a geração de 60 inovadora?

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente selección de fotos!!!!