domingo, março 02, 2008

Praga

Quem leu o último post esperava certamente por mais um post de fotografia científica, que irei completar, mas não hoje porque hoje o jornal Público surpreendeu os leitores ao juntar -lhe a primeira edição do jornal, a do dia 2 de Janeiro 1990, que nunca chegou às bancas. Recuei no tempo e lembro-me que à época, os jornais da concorrência falavam nos problemas que o jornal, que tanta publicidade fizera, só conseguia arrancar dois meses depois da data anunciada, sendo a causa uma sofisticada máquina tipográfica difícil de ajustar. Mas regressemos então à edição de 1990 e na primeira página o título: “Dos nossos enviados a Praga, Berlim e Bucareste, LIBERDADE, ano Zero”. A Europa festejava eufórica a passagem da década, com os acontecimentos inesperados, a declaração da falência do comunismo, nestas três cidades, Praga, Berlim e Bucareste. Na página seguinte Václav Havel, o novo presidente da Checoslováquia, em entrevista ao Público falava na urgência da mudança e que o seu tempo escasseava.


Em 1948, quando as tropas soviéticas ocuparam Praga, Josef Sudek, conhecido como o “Poeta de Praga”, refugia-se no seu atelier e fotografa o jardim que vê da sua janela.
Josef Sudek, Praga, c.1948-50
Vinte anos depois, em 1968, Praga viveria uma tímida liberalização, que ficou conhecida na história do país como a “Primavera de Praga”, mas a primavera foi curta, porque no Verão, na noite de 20 para 21 de Agosto, a invasão dos tanques russos manteria o país fechado por mais vinte anos. Josef Koudelka, o fotógrafo Checo registou essa invasão e hoje as suas imagens são um testemunho que ficou na memória.
Josef Koudelka, Praga, 21 de Agosto 1968
Josef Koudelka, Praga, 21 d Agosto de 1968
Josef Koudelka, Praga, 21 de Agosto de 1968
Josef Koudelka, Praga, 21 de Agosto de 1968
Com o desmoronar da “cortina de ferro”, os economistas ocidentais viam os resultados das economias planificadas e o grau de decadência económica era tão devastador que deixou espantados os mais cépticos. Havel e o seu ministro da economia, Václav Klaus, o homem encorpado de bigode farfalhudo, espantavam o Ocidente com as reformas rápidas que implementavam no seu país - a transformação radical dos direitos de propriedade. Koudelka regressa ao país e fotografa as paisagens poluídas deixadas por essa economia fechada e obsoleta. Em 1994, depois de quatro anos de trabalho edita "Black Triangle".
Josef Koudelka, do livro "Black Triangle", 1994
Josef Koudelka, do livro "Black Triangle", 1994

Václav Havel, escreveria no prefácio de “Black Triangle” o seguinte : “this pictures has taught us perhaps more than anything else that the world is made of an indefinitely intricate and mysterious tissue about which we know damn little and towards which we should behave dawn humbly”. Mas Havel já não era presidente, pois um ano antes do livro sair, 1993, a República Checa e a Eslováquia declaravam as respectivas independências.

2 comentários:

João Castelo Branco disse...

Olá Madalena,

Foi lindo ler o seu post sobre os fotógrafos "Praga". Me deu saudades dos tempos em que vivi e estudei fotografia por lá durante o ano de 2005. Esta semana falei muito sobre os tchecos para meus alunos de fotografia. Eu mostrava algumas imagens de Frantisek Drtikol e Jaroslav Rossler falava da riqueza do modernismo tcheco (um pouco como aconteceu na Alemanha durante o mesmo período, durante a república de Weimar). Eu dizia em minha aula como era uma pena que aquela gente tenha sofrido tanto na mão de estrangeiros (Império Austro-Húngaro, Alemães e URSS). Contei a história de Sudek viveu o séc XX "inteiro" (!) e que em alguns momentos bastante longos "refugia-se no seu atelier e fotografa o jardim que vê da sua janela" porque é tudo que pode fazer.

Ontem vi uma grande amiga, Milla Jung, falando sobre Vasil Stanko e Pavel Pecha por conta do Staged Photography tcheca. Milla falava do caráter político construído de forma metafórica nessas imagens. As metáforas eram a única maneira de falar num período sem liberdade política.

Hoje leio seu post sobre Sudek e Koudelka. É remarcável o fato de Koudelka e outros muitos checos (basta pensar em Kundera e Milos Forman) terem se exilado durante o periodo mais duro da ocupação soviética. Koudelka que vê sua hora de partir olhando para a praça Vaclav ('Vaclavske Namesti') volta anos depois do exílio para fazer sua poesia sobre o que se passou em sua terra natal nesse período.

Eu gostaria de lembrar ainda de outros vários fotógrafos como Victor Kollař, Bohdan Holomiček, Jiři Hanke, Jindrich Streite mesmo Saudek; cada um de sua maneira construiu suas metáforas para falar do que aconteceu por ali após a curta primavera de 1968.

E para piorar a situação tcheca, o que o então presidente Havel não disse no início dos anos 90, quando propôs o direitos de propriedade para a Tchecoeslováquia, foi que esse direito não seria concedido aos tchecos. O País foi literalmente vendido ao capital estrangeiro: a Škoda agora é Volkswagen, o correio é da alemã “post”, os supermecados são “Penymarket” e “Tesco” (ingleses) e assim por diante... a maior parte do patrimônio público foi vendido (grande porcentagem para os norte-americanos). É triste ver os tchecos reconhecendo que hoje são apenas funcionários de estrangeiros. A liberdade tão esperada chegou com um custo bem alto e ainda por cima de forma bem limitada. Quando me mudei para lá me espantou o fato de o meu custo de vida ser mais barato que o que eu tinha NO BRASIL na época. O formato de economia que se instaurou na república tcheca fez com que o artistas e os intelectuais, tristemente não quisessem retornar pra casa: Forman não voltou, Kundera não voltou, e nem o Koudelka voltou. Os meus professores que voltaram se queixavam o tempo todo dos baixíssimos salários e da falta de condições para trabalhar. As universidades públicas vivem dos programas internacionais pagos (ou de dinheiro da UE para programas como eramus). É uma pena enorme que a arte tcheca, que sobrviveu a tanto tempo de dominação, passe agora por um momento tão difícil por questões econômicas.

Tenho lido seu blog com entusiasmo, pois é bastante já rara a discussão sobre fotografia (nos termos que você coloca) em língua inglesa e francesa... em português tudo fica ainda mais complicado.
Estou ansioso para ler o próximo post sobre fotografia científica!

Madalena Lello disse...

Em 1º lugar agradeço o seu comentário pois acrescenta nomes de fotógrafos que merecem não ser esquecidos, e aproveito, pois percebi ser um apaixonado e entendido nos fotógrafos checos, um outro nome da geração actual, Jitka Hanzlová.

Quando iniciei este blog e por se tratar precisamente de escrevermos para a blogosfera, impus uma regra que ainda não transgredi, os temas dos posts serem sempre sugeridos por um qualquer factor exterior: exposições, políticas actuais, livros recentemente editados, conferências…até o tempo, o calor ou o frio podem servir…Praga foi sugerido pelo artigo do jornal e confesso que quando publiquei este post pensei que podia ter mostrado mais fotografias de Josef Sudek de quem tanto aprecio, mas Sudek merece um post só para ele, como Koudelka e os modernistas checos, resta-me então esperar como Sudek esperou a olhar pela janela…

Em relação a Václav Havel, o homem dissidente e várias vezes preso, durante a ocupação soviética, não vendeu o seu país aos estrangeiros, deixe-me pois dizer o seguinte: quando a “cortina de ferro” se desmoronou verificou-se que os países do Bloco Soviético passavam por enormes dificuldades, a economia estava à beira de um colapso, havia falta de bens alimentares nas lojas, a hiperinflação destruía o valor do dinheiro, e os Governos encontravam-se falidos e não conseguiam pagar as suas dívidas. Mas enquanto os Alemães de Leste podiam pedir ajuda ao Ocidente, a Checoslováquia, Polónia… estavam quase por sua conta. Notável foi a actuação de Klaus o ministro de Havel, e também Leszek Balcerowicz, o grande reformador polaco, que de um dia para o outro tiveram a coragem de acabar com o tabelamento dos preços. Ambos acreditavam que nunca se poderia falar em transição, pois ambos estavam convencidos que numa sociedade em que o Governo controlara todos os aspectos da venda e da compra durante 4 décadas nunca mudaria com uma transição suave, mas sim com mudanças drásticas que levassem as pessoas a decidir por si próprias. Tais mudanças como se previu provocaram muita agitação. Contudo se os preços foram exorbitantes no início, baixaram rapidamente quando o aumento da oferta ultrapassou a procura, e passados semanas apareceram mais produtos e os preços ajustaram-se, passava-se de uma economia planificada para uma economia de mercado livre. Václav Klaus quis privatizar as empresas de que o Estado era proprietário, e em vez de as leiloar a grupos de investidores, como agora o João Castelo Branco refere,na Checoslováquia não havia pessoas com dinheiro suficiente para as comprar, Klaus propôs e distribuiu a posse por toda a população desses direitos sob a forma de títulos. Cada cidadão recebeu uma quantidade igual de títulos, que poderiam ser trocados ou vendidos. Klaus pretendia assim, como digo no post provocar a transformação radical dos direitos de propriedade, mas hoje são os grandes grupos económicos que dominam…Havel que em 1993 já não era presidente, com a independência da Eslováquia e da Républica Checa , não governou durante o tempo suficiente para dirigir a reforma, mas Klaus e Havel quiseram o melhor para o seu povo pois sabiam que essa transformação tinha de ser radical, do dia para a noite, para evitar o aparecimento de um mercado negro paralelo onde ganham, os ditos mafiosos….como hoje assistimos infelizmente na Rússia.

Não está esquecida a terceira parte da fotografia científica.
Um abraço