segunda-feira, dezembro 17, 2007

Cafés de Paris

Em Paris prefiro andar a pé. Em Paris prefiro as livrarias,

Livraria Chambre Claire
as galerias,
Galerie Vallois
Galerie Aittouarès
e a vida da margem esquerda. Em Paris gosto de calcorrear Saint-Germain-des-Prés, sempre com cafés acolhedores onde nos abrigamos do frio e do cansaço.
Café, Deux Magots
Café Deux Magots
Café de Flore
Em Paris, junto ao cruzamento da igreja de Saint-Germain-des-Prés, perduram os míticos Café de Flore e Deux-Magots,
Paris, Dezembro 2007
outrora, nos idos anos de 50 o bastião dos existencialistas e dos jovens poetas, pintores, cantores, fotógrafos e cineastas de vanguarda.
Dennis Stock, Café de Flore, 1958

Em Paris no Café de Flore, nada parece ter mudado, o Thé, Chocolat...continuam a ser anunciados em letras douradas na mesma placa de fundo preto, e as cadeiras de palhinha e as pequenas mesas redondas continuam iguais, a diferença é que agora, podemos ficar no exterior num terraço abrigado e aquecido.

Paul Almasy, Café de Flore, 1966

No início do século passado o Chat Noir em Montmartre reunia Toulouse-Lautrec, Valadon, Utrillo...ainda em Montmartre, os artistas do Bateau Lavoir, os fauves e os cubistas, Van Dongen, Picasso...reuniam-se no Lapin Agile. Mas ainda no início do século passado, Montparnasse, um outro bairro de Paris que olha Montmartre de frente, mas separado pelo Sena, levou os artistas, Picasso, Fernande e os amigos a descerem a pé, noite dentro, a íngreme colina de Montmartre e atravessar o rio para ouvirem os poetas da margem esquerda: Alfred Jarry, Paul Fort, Blaise Cendrars...no café Closerie des Lilas em Montparnasse. A guerra dispersou-os, mas com o armistício assinado, a normalidade regressou e Montparnasse tornou-se no centro de abrigo dos artistas que vinham de todo o mundo: russos, japoneses, americanos, polacos, húngaros...André Kertész, deixou a Hungria em 1925, e instalou-se na Rue Vavin, bem no coração de Montparnasse. O Dôme, La Rotonde, os cafés onde se aqueciam, conversavam e acolhiam os que acabavam de chegar à cidade.
André Kertész, Café du Dôme, 1925

Man Ray, que deixara Nova Iorque, (1921), por Paris, rodeado de dadaístas e mais tarde surrealistas, encontra não na Rotonde nem no Dôme, repletos de gente nesse dia, mas num café entre os dois, a sua musa e modelo Kiki de Montparnasse. Brassäi, conterrâneo de Kertész, e frequentador do café du Dôme, trabalhava, naqueles que hoje são considerados os anos loucos em Montparnasse, no seu primeiro livro “Paris de Nuit”. Anos loucos pois como artistas presentiam que a segunda guerra vinha a caminho, e infelizmente não se enganavam. “No dia 3 de Setembro de 1939, a guerra foi declarada e a Europa mergulhou na tormenta ao mesmo tempo que a Alemanha esmagava a Polónia com a ajuda da União Soviética”, escreve Brassäi, no seu livro de memórias - “Conversas com Picasso”. Nesse ano o MoMA, o museu de arte moderna de Nova Iorque, preparava para Novembro uma retrospectiva da obra de Picasso. A Life Magazine pedia a Brassäi uma série de fotografias de Picasso para acompanhar a abertura da exposição.“Paris adquiria o seu triste rosto de guerra, envolto à noite em negrume, com as luzes apagadas, todas as janelas calafetadas, as ruas iluminadas apenas pelo azul dos candeeiros...

Brassäi, Igreja Saint Germain e Café de Flore, 1939

Mas o perigo de bombardeamento parecia afastado por algum tempo. O aspecto diurno da cidade era quase normal. Os cafés, os cinemas, muitos armazéns que na primeira precipitação tinham fechado as portas – até o Café de Flore – começavam a reabrir” recorda-se Brassäi. Brassäi, para a reportagem da Life quis fotografar Picasso nos locais do qual se tornara um habitué, desde que se separara da mulher, Olga. No seu atelier, na Rue dos Grands-Augustins, nos cafés de Saint-Germain-des-Prés, Café de Flore, Deux-Magots e na cervejaria Lipp, os três centros de atracção que nessa época começavam a suplantar Montparnasse. “Em Setembro de 1939 – a 18 ou 19, creio bem – começava a minha série para a Life Magazine. Primeiro no Lipp onde Picasso tomava bastantes vezes as suas refeições (...).Depois, como de costume, Picasso, ladeado de Sabartés, atravessou o boulevard Saint-Germain para tomar café no Flore onde tinha, de resto, vários encontros.”

Brassäi, Picasso no Café de Flore, 1939

“O espírito do Flore, impossível de analisar como um perfume, tinha no entanto fortes dominantes: Jacques Prévert e o seu grupo; Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir que, longe ainda do movimento “existencialista”, enchiam sobre o mármore das mesas muitas folhas de papel...

Brassäi, Sartre, Café de Flore, 1944
Brassäi, Simone de Beauvoir, Café de Flore,1944
Robert Doisneau, Simone de Beauvoir au Deux Magots, 1944

Eu próprio, tendo pago generosamente o meu tributo à vida de café parisiense em Montparnasse, não era um verdadeiro habitué do Flore, mas tinha lá muitos amigos e conhecidos”. No Café do Flore, lembra-se ainda Brassäi, o ritual era sempre o mesmo quando Picasso aí entrava: os criados Jean e Pascal corriam a ajudá-lo a tirar a gabardina, o patrão auvernhês, o sr. Boubal, cumprimentava-o e acendia-lhe o cigarro, e Picasso dirigia uma palavra amável a Madame Boubal, empoleirada no alto da caixa.

Brassäi, Café de Flore, 1944

No entanto não foi no Flore, mas no Deux-Magots, que Picasso conheceu, num dia de Outono de 1935, Dora Maar, a fotógrafa, na mesma altura que Marie-Thérèse Walter lhe dava uma filha, Maya.

Os parisienses, depois do sobressalto da declaração de guerra, voltaram a descansar, a linha Maginot, protegia-os de qualquer invasão, julgavam eles. Mas Hitler, depois de muitas indecisões, invadia, em Maio de 1940, a Bélgica e os Países Baixos, e a 12 de Maio, as divisões panzers atravessavam a difícil região montanhosa das Ardenas. Em poucos dias chegavam às portas de Paris, e os parisienses, desprevenidos, em êxodo deixaram a cidade.
Num Domingo, a 23 de Junho de 1940, Hitler, passeia-se triunfal na cidade de Paris.
Brassäi recorda-se desses anos terríveis que foram a ocupação: “Chego ao boulevard Saint-Germain, tão calmo, quase provinciano desde que os automóveis e o táxis parisienses se enchem de ferrugem nas garagens...Depois dessa altura “Drôle de guerre”, (a guerra a brincar), tornou-se na guerra nada a brincar e Paris, que nós tanto amamos, tornou-se a cidade dos uniformes verdes e dos “ratos cinzentos”, das cruzes gamadas flutuando nos edifícios públicos e nas grandes habitações tornadas sedes da Kommandantur e da Gestapo; Paris sem táxis, sem cigarros, sem açúcar, sem chocolate, sem pão de primeira...Paris das patrulhas alemãs, das estrelas amarelas, dos alertas, das rusgas, das prisões, dos anúncios de execuções...O “período dos cafés” acaba de terminar”.
Mas felizmente não terminou, e Paris, devido à sua beleza resistiu à ordem de Hitler “Paris já está a arder?”
Seguiu-se um Saint- Germain repleto de existencialistas, pares de namorados, jazz e danças negras.

Robert Doisneau, Café de Flore, Saint-Germain-des-Prés, 1947

Nova invasão de estrangeiros e Saul Leiter, um fotógrafo de moda americano, não resiste à aura do Deux Magots e do Café de Flore, que se vê através do vidro transparente do primeiro.

Saul Leiter, Café des Deux Magots, Saint-Germain-des-Prés, 1959
Saul Leiter, Café des Deux Magots, Saint-Germain-des-Prés, 1959
É o retomar do “período dos cafés”.
Paris, para esqueçer as tristezas porque passara, torna-se na capital da moda e passa a servir de décor nas revistas da modalidade. Fotografar o “new-look” de Dior e de tantas outras casas nas ruas da cidade torna-se também uma moda e atrai muitos fotógrafos, vindos do fotojornalismo. Nas décadas de 50 e 60, a revista Vogue em Paris, sob a direcção de Edmonde Charles-Roux, reúne fotógrafos como William Klein, Bob Richardson, Helmut Newton, Guy Bourdin, para referir alguns. Na geração seguinte, num estilo diferente, Sarah Moon, primeiro modelo e depois fotógrafa, fica conhecida no mundo da moda com a campanha para a Cacharel. Paris mantém o imaginário da elegância, insolência e glamour da modernidade. Numa campanha para os produtos de maquilhagem da Kanebo, Sarah Moon, em 1979, fotografa estas duas modelos no Café de Flore.
Sarah Moon, deux Femmes au Café de Flore, 1979. Produtos de maquilhagem Kanebo.

Agora na actualidade, e muito longe do preto e branco dos fotógrafos humanistas, o excêntrico austríaco, Erwim Wurm, fotografa a série “Café de Flore”.
Erwin Wurm, Christian Lacroix, série "Café de Flore", 2004
Há uns anos a Taschen pôs à venda nas papelarias uns cadernos grossos de folhas lisas, fáceis de manusear por argolas, escolhendo para capa uma fotografia de Jeanloup Sieff, “Café de Flore, early morning, 1975”, hoje o meu caderno de notas da fotografia.

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