Há dois dias uma vontade de ver cinema levou-me a olhar a programação da Cinemateca. “Cléo de 5 à 7”, de Agnès Varda, às 19:00. Li o resumo, “Talvez a obra-prima de Varda e o mais “Nouvelle-Vague” de todos os seus filmes. Narrado em tempo real (o tempo da narrativa é o mesmo da duração do filme), o filme mostra-nos uma mulher que pensa ter um cancro e espera pelos resultados das análises médicas que fez. Enquanto espera, encontra pessoas conhecidas e desconhecidas e atravessa a distância entre o obscurantismo e a lucidez sobre a sua própria identidade. E como tantos filmes da “Nouvelle-Vague”, Cléo de 5 à 7 também é um grande filme sobre Paris”. Fui ver Cléo de Agnès Varda.
Varda, antes de enveredar pelo cinema, foi fotógrafa oficial do Théâtre National Populaire e fotografava as peças e os actores que o animavam. Durante vários anos, de 1948 a 1960, não só fotografou as grandes figuras do teatro,
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Mesmo quem não conhece o seu percurso pela fotografia percebe que os seus filmes são enriquecidos por um olhar fotográfico, pois Varda herda da fotografia o hábito de observar, de captar que denunciam a sua formação.Varda retira da realidade documentos fotográficos que transforma em filmes de ficção, e “Cléo de 5 à 7”, 1961, é a realidade em ficção.
Em 1954 realiza o seu primeiro filme “La Pointe Curte”. Cria logo nessa altura a Ciné-Tamaris, pequeno universo onde vive, escreve, monta e produz os seus filmes, e o onde o acaso, que para Varda lhe trás inspiração e assunto, a faz viver numa rua com o nome de um dos inventores da fotografia, Rue Daguerre.
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Em “Cléo de 5 à 7”, essa sensibilidade à imagem está ancorada no novo olhar fotográfico que nascia, não o seu, pois Agnès deixara já a fotografia, mas o olhar de uma nova geração que deixava a fotografia humanista, o olhar que naturalmente se seguiu à segunda guerra. Varda filma Paris, como a nova geração fotografa Paris, não a cidade do bilhete-postal, da Torre Eiffel e dos passeios junto ao Sena, mas a dos bairros mais afastados do centro.
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Agnès baralha a percepção do espectador, e no café, ficamos por momentos sem saber onde está e quem está, os espelhos multiplicam as pessoas, mesas, objectos, e os reflexos misturam interior com exterior.
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Corinne Marchand, Cléo, é uma mulher cliché: alta, loira, bonita e uma cantora famosa. Com todos estes atributos Cléo é mimada e caprichosa, mas ao longo dos rushes, que nos vão revelando a passagem do tempo, Cléo olha-se no espelho e apercebe-se do mundo à sua volta, deixa o vestido branco e veste-se de preto,
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É no deambular por Paris, das suas caminhadas a pé, do percurso no táxi, no carro da amiga, e no fim no autocarro com o desconhecido,
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Realizado em 1961, numa altura em que a Nouvelle Vague era já um movimento, o filme tem os tiques típicos, como lhe chama João Bénard da Costa, da Nouvelle Vague: a mania das citações, o excesso de carga dos significados, como o túnel escuro por onde entra o carro quando Cléo revela à amiga a sua doença, e a ultra-apoiada intencionalidade de diálogos pretensamente banais, “o que eu digo”, diz Cléo no diálogo com o desconhecido “são coisas banais, tão diferente das suas citações”. Pode-se juntar a todos esses sinais da época a aparência de que o filme se faz ao jeito de um cinema directo, dando a sensação que o realizador, Varda percorre as ruas de Paris com a câmara ao ombro. Mas os filmes de Varda não são só modernidade, Fabrice Revault d’Allones, escreve o seguinte “ Para todos os efeitos, a obra de Agnès Varda coloca-se entre dois: não só entre fotografia e cinema, mas também entre longas e curtas metragens, e sobretudo entre documentário e ficção, realidade e ficticidade, modernidade e classicismo”e acrescenta “Cléo de 5 à 7” aproximava-se mais da Nouvelle Vague, da sua liberdade iconoclasta, guardando no entanto aspectos bastante clássicos”. Fabrice d’Allones tem razão, e no filme, o contraste entre a nova visão e a visão humanista da década anterior salta aos olhos, a criança sentada no chão do pátio que dá acesso à sua casa e que brinca com um piano, o homem que come rãs e que fascina o público que passa na rua, faz-nos lembrar, respectivamente, Denise Colomb
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Stanley Kubrick, Wim Wenders, Andrei Tarkovsky e alguns outros…são dos poucos realizadores que marcaram a história da fotografia. Podemos também juntar a este grupo restrito Agnès Varda.
4 comentários:
Ajuda?
Como não encontrei o seu e-mail... vai mesmo por aqui. :-)
Recentemente visitei a colecção Berardo, tomei nota de "Briedget Susan Jones", notáveis fotografias, procurei na net e nada encontro.
terei tomado boa nota?
Obrigado
553adv@oninet.pt
Ainda não visitei o "novo" museu Berardo, não posso ajudá-lo.
Excelente descrição e principalmente análise do filme e percurso de vida de uma fotógrafa e realizadora de cinema que eu simplesmente desconhecia. Fiquei com vontade de ir ver o filme, só não sei se os meus "pré" conceitos estéticos e cinéfilos me deixarão ir à Cinematca ...
Bjs TMR
os seus post deixam-me sempre sem palavras.
é um prazer.
:)
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