Há dois dias uma vontade de ver cinema levou-me a olhar a programação da Cinemateca. “Cléo de 5 à 7”, de Agnès Varda, às 19:00. Li o resumo, “Talvez a obra-prima de Varda e o mais “Nouvelle-Vague” de todos os seus filmes. Narrado em tempo real (o tempo da narrativa é o mesmo da duração do filme), o filme mostra-nos uma mulher que pensa ter um cancro e espera pelos resultados das análises médicas que fez. Enquanto espera, encontra pessoas conhecidas e desconhecidas e atravessa a distância entre o obscurantismo e a lucidez sobre a sua própria identidade. E como tantos filmes da “Nouvelle-Vague”, Cléo de 5 à 7 também é um grande filme sobre Paris”. Fui ver Cléo de Agnès Varda.
Varda, antes de enveredar pelo cinema, foi fotógrafa oficial do Théâtre National Populaire e fotografava as peças e os actores que o animavam. Durante vários anos, de 1948 a 1960, não só fotografou as grandes figuras do teatro,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8FwmmAWTUyaxH3gtvW56m6-fnSkTywBrqM_JIutU8E82Ws2URnZwILrxY7li6pC0IZ3295uondhYUGizvk9Y1RmJyvxexZ63oKBx9-UxwoL_PIqA5Jj5VgYowUQZ9xMxffU5jpA/s400/Paris2.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhAZnwXBxACDF2Mt5y6HG4cVAtM4nXRblbXT1yZ0XL1_bk3ajTpnKL4bRr6ZXh4NuvTTVPk78sToC6m13U10eCXidb_uVokRcot5Aigb7xK31jccvrJaDYsaZBKbnMCa84AC2J_mA/s400/Varda3+%5B800x600%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNlv9F0vFGCKEdtr4ht3I8QJYxYGb-KCVamKm5ynVG8JJ0iuZW1utP5-CllsOEK9YBcfIlUR_dB0s_k441Jxzhu5Nmf3lCpPejKmwGO2pN9MYGaYpqX6Q7_bgbFuEtIH1boUQgBQ/s400/Paris4+%5B800x600%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0PPTKeWd8KL6FYCYakaFA6w9w-nezQc9KUxV4LGGsVjusoDjZKzGTkAOBeGasBBD4AkZHbTIjvVYdV6Ane_ZH4GgFnAJvJ_N9qI5m1MN5qctnNJj6EOeMrCWBzXQRbHG_3yub_g/s400/Paris3+%5B800x600%5D.jpg)
Mesmo quem não conhece o seu percurso pela fotografia percebe que os seus filmes são enriquecidos por um olhar fotográfico, pois Varda herda da fotografia o hábito de observar, de captar que denunciam a sua formação.Varda retira da realidade documentos fotográficos que transforma em filmes de ficção, e “Cléo de 5 à 7”, 1961, é a realidade em ficção.
Em 1954 realiza o seu primeiro filme “La Pointe Curte”. Cria logo nessa altura a Ciné-Tamaris, pequeno universo onde vive, escreve, monta e produz os seus filmes, e o onde o acaso, que para Varda lhe trás inspiração e assunto, a faz viver numa rua com o nome de um dos inventores da fotografia, Rue Daguerre.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRazRGJrKrYiIr5koau7EliMtpFmQv_sBtJy0dnR_jmnKwCyoLB-BZB9_r7_2vukV0kQnuGUjz3PAHrMikURI_y5mmL-1Llf3bZSq-A4lLCEwlqM4toPuhAYaI8Y8kbve2HHWYTg/s400/Paris+2011.jpg)
Em “Cléo de 5 à 7”, essa sensibilidade à imagem está ancorada no novo olhar fotográfico que nascia, não o seu, pois Agnès deixara já a fotografia, mas o olhar de uma nova geração que deixava a fotografia humanista, o olhar que naturalmente se seguiu à segunda guerra. Varda filma Paris, como a nova geração fotografa Paris, não a cidade do bilhete-postal, da Torre Eiffel e dos passeios junto ao Sena, mas a dos bairros mais afastados do centro.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjNb8VKmLOW0ZY1a6mIzB1foKP-0sTrQ7A-DPis0rCP9jHXA4A6tqatzoe7uDsfhBKUSRd_i_3z_wT4FWTcD3FLP2lvzDCpQtoVjCYmlAqQmdIogeDRMy680bU58bCE0hWdK4LiAA/s400/Paris+2008+%5B800x600%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglb8rAXAzKTOFZMCVN6o65AbzkTl7qZS245fV2TbTw_kY2E_6U83p1QC-Kki8YrOkZ_tQcicuBM3shrhvIJSgUCSCJNuVK__l69Ww-Bo8ww2mt8MFypwg6MrrrsCWWpeeORSpMoA/s400/Paris1+%5B800x600%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgydQ0n1WCak5cr11jM5yPfPv37LuLqd2gl21jQ-HrpNKdYEKMhjUIqoWxAhF3sn9YNVJVHDy-x4MF-pqQbhGDbvG3zbk6U7KgomBpumCQxDBn2nmr34HWICUZaEwazINHUfmC8Vg/s400/Paris+2009+%5B800x600%5D.jpg)
Agnès baralha a percepção do espectador, e no café, ficamos por momentos sem saber onde está e quem está, os espelhos multiplicam as pessoas, mesas, objectos, e os reflexos misturam interior com exterior.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwmB7dRwyWFIzpPgwjeFJEdygHW7XQ8gOrO91t-e_y_-eW4-f0YqaqsrUMNze8xwVar1nWpb5M-QGjVtbo7MyYjEFTLUw3dDJJlC-XW0Iqm5TYl8t20aCekX9y5AdED5Y47m2YdA/s400/Paris+2006+%5B800x600%5D.jpg)
Corinne Marchand, Cléo, é uma mulher cliché: alta, loira, bonita e uma cantora famosa. Com todos estes atributos Cléo é mimada e caprichosa, mas ao longo dos rushes, que nos vão revelando a passagem do tempo, Cléo olha-se no espelho e apercebe-se do mundo à sua volta, deixa o vestido branco e veste-se de preto,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhoTZrOWDTIjsP9DHhdfo6y2EyjHHQgEcLzb10ldtKauBA6xplkazWuaDjDNeaoUlDdjwRm9MLcuARNuvWmZQ0BIDC2N8VTetjHBeUuWRzx_HtzOpIadOPh8NevcAq2rkymItCTeg/s400/Varda6.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhidz5_L15171M54vUpy_RhcBwzzABr_GcYCY9MbnnOIIFq2DQvcjBuqh9quD1Gt5pqP_arLB-zoHfsNf8ajwL8LUkzHrnCrfj9nzUQa8rWpGBhmRwqQ5qfwVByXs0MzEowb_VBWA/s400/Paris+2010+%5B800x600%5D.jpg)
É no deambular por Paris, das suas caminhadas a pé, do percurso no táxi, no carro da amiga, e no fim no autocarro com o desconhecido,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOpsEgBkNX1t0Dn1wlufgsCp1b9YwXKVYiY8iKCB_AQ_WvCPLj2SbYq-zFym0uqLk0f7LqLZeQGYnqUk-0qjlK5dyXbH3ZZhY6NKzX77MfsFhyphenhyphenpJtkut1skTgZn4YMswbTKlkMyw/s400/Paris+2007.jpg)
Realizado em 1961, numa altura em que a Nouvelle Vague era já um movimento, o filme tem os tiques típicos, como lhe chama João Bénard da Costa, da Nouvelle Vague: a mania das citações, o excesso de carga dos significados, como o túnel escuro por onde entra o carro quando Cléo revela à amiga a sua doença, e a ultra-apoiada intencionalidade de diálogos pretensamente banais, “o que eu digo”, diz Cléo no diálogo com o desconhecido “são coisas banais, tão diferente das suas citações”. Pode-se juntar a todos esses sinais da época a aparência de que o filme se faz ao jeito de um cinema directo, dando a sensação que o realizador, Varda percorre as ruas de Paris com a câmara ao ombro. Mas os filmes de Varda não são só modernidade, Fabrice Revault d’Allones, escreve o seguinte “ Para todos os efeitos, a obra de Agnès Varda coloca-se entre dois: não só entre fotografia e cinema, mas também entre longas e curtas metragens, e sobretudo entre documentário e ficção, realidade e ficticidade, modernidade e classicismo”e acrescenta “Cléo de 5 à 7” aproximava-se mais da Nouvelle Vague, da sua liberdade iconoclasta, guardando no entanto aspectos bastante clássicos”. Fabrice d’Allones tem razão, e no filme, o contraste entre a nova visão e a visão humanista da década anterior salta aos olhos, a criança sentada no chão do pátio que dá acesso à sua casa e que brinca com um piano, o homem que come rãs e que fascina o público que passa na rua, faz-nos lembrar, respectivamente, Denise Colomb
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCGb_v83d65vmxnTeRyg_2g8smkVqDeJTav-2_mUg3Ndd6sCM39yN_T_-qtedRavxau-cklyRISoDhAVEaVGzflRgOGZpkxvCHEmU-nV5vT_IUBdtCwtiDfGbX5JKisHtOhJsK8g/s400/Paris7.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-g997XnVaajm2K8dwZ4y0_jOo_DiRQfhEBKYTc2olurwNCCCtH_pVk6z1BSr2EkujEDww2opAC2GUoMQyrGfDKd6DPSyysYlilfsYiDzSnsqt3L9bQqKccEKjiicLroyd8jmVOQ/s400/Marc+Riboud+%5B800x600%5D.jpg)
Stanley Kubrick, Wim Wenders, Andrei Tarkovsky e alguns outros…são dos poucos realizadores que marcaram a história da fotografia. Podemos também juntar a este grupo restrito Agnès Varda.
4 comentários:
Ajuda?
Como não encontrei o seu e-mail... vai mesmo por aqui. :-)
Recentemente visitei a colecção Berardo, tomei nota de "Briedget Susan Jones", notáveis fotografias, procurei na net e nada encontro.
terei tomado boa nota?
Obrigado
553adv@oninet.pt
Ainda não visitei o "novo" museu Berardo, não posso ajudá-lo.
Excelente descrição e principalmente análise do filme e percurso de vida de uma fotógrafa e realizadora de cinema que eu simplesmente desconhecia. Fiquei com vontade de ir ver o filme, só não sei se os meus "pré" conceitos estéticos e cinéfilos me deixarão ir à Cinematca ...
Bjs TMR
os seus post deixam-me sempre sem palavras.
é um prazer.
:)
Enviar um comentário