“Changeling”, lemos na folha de crítica distribuída na sala, “ tem uma paleta de cores quentes que servem uma cuidada reconstituição de época (Los Angeles, entre 1928 e 1935), porque essa reconstituição de época é especialmente fotogénica...”.
Em "Letters from Iwo Jima", (2006), Eastwood, utiliza a fotografia a preto e branco de Joe Rosenthal como ponto de partida para a sua narrativa. De uma imagem estática, como é a fotografia, Eastwood desliza para um outro mundo, um mundo, onde as fotografias são empurradas e atiradas incessantemente para outras vistas. No cinema, que nasceu da fotografia, há sempre um referente fotográfico, o seu material é indiscutivelmente fotográfico, mas no cinema, ao contrário de uma fotografia, que nos permite fechar os olhos e imaginar, o realizador é que nos conduz para o seu mundo imaginário.
Disse Jean-Luc Godard que: “A fotografia é verdade. O cinema é verdade vinte e quatro vezes por segundo”, será verdade? Será que um filme é uma mera sucessão de fotogramas que originam movimento? Godard também disse que no cinema “eu sinto a necessidade de exprimir a realidade em termos que não sejam completamente realistas”.
Tudo isto a propósito de uma fotografia de Manel Armengol,
Manel Armengol, Espanha, Sant Adrià, Barcelona, 1978, Paisagem industrial e edifícios
em exposição no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, que ao vê-la me fez deslizar para outros mundos, mais especificamente para o universo de Michelangelo Antonioni.
“O Eclipse”, (1962), o último filme a preto e branco de Antonioni, é visto pela crítica como uma elegia sobre a inconstância do amor. O filme inicia com uma ruptura e avança com um novo encontro, onde contudo não há qualquer certeza que irrompa num novo amor. No meio da rua, no separador, Vittoria pára e replica “Aqui estou eu, a meio caminho”, e é a meio caminho que a relação parece ficar até ao fim.
Na fotografia de Manel Armengol, um separador de arbustos divide um bairro da cidade de Barcelona. A indústria poluente de um lado, a cidade dormitório do outro. O décor, que enquadra Vittoria em “O Eclipse”, revela os novos dormitórios que se constroem à volta da cidade - elementos de betão empilhados,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAQbfHB_E09ENVB4n6p6hyphenhyphenL3l2PVQ2ZTClZfjHhgB2nWHSjHeU3q6eWjBPgBvJ6bDEad9vAhmOSW5IsIIow5sfTlGiNdkUtnUPAd7w0IQEjlm3KAhrk2oIUaC5T48sUZmxm8_I4Q/s280/cap018+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
tapumes,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhG_jQMDucjaitqgeZ_Xp-n7QlUsV3-7fHizx-ewugsycYFZZ2ITgOI678gM01EOCDFao2x0BGVYi3jJMXv6yGrVeyYlTuJhdxZ3zc6ZgK0hwntx3Zxz0tuKs7wurgR1InXVjFaAQ/s280/cap026+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOVaNHBgUhQFOu48UADe5uOfNSP_0ItypSvg9x5tEs6em_fFb30augT02iLmg_DsaalzkTgb2mZOa7hOv3UJFuJzDj6OhaousVM8l2ak1VW_nyuQGJIAKWv4WKiZ78s99dKR8C_A/s280/cap020+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
ruas desertas
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRyo9YmooD5EsdYXYCU-cI1Fy-EcvghTPuzVEDuEPGbjGa380eL2ZFUtxK2dm9PctfYkr6xJMR6qx5snJJI_6YtYF6diPeNDuRE6mw8AtAwWnnNM5l_Bx0d1LjeK5zh5SZogQxXw/s280/cap031+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgouSgTmobjIZwjdQo7ZOLaPRodr4srL_QqhqKHWfMgwnLn8JgYkc_84r31mhyphenhyphenAXpCaRjMu5tcoGLl0ViTZDl9I-Ay8nuE_crOHVEcPGPPBppEjleI4KFRkxtSsbhQGxz-pm57FwQ/s280/cap037+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
despojadas de qualquer ser humano e de qualquer sentimento, tal como o bairro, que na fotografia de Armengol, dorme na obscuridade.
Em “O Eclipse”, o realizador conduz-nos e com ele passamos a divisória que separa as paisagens desumanizadas dos subúrbios, medidas a régua e esquadro, que na década de cinquenta se alargavam e cresciam em altura,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOZ11XC8yjmHNg1imtEdv0BOH5rLZIXzxtHAyFdeFZ4UnGWPchivSG79-YL4I6eLwZ7kcNYsggPUIkD181gdeDp2PU5i2AHKhzeYUVuW9VwBsMdDrpfWM1Nk_zyVjxov4MxVXOlg/s280/cap032+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYJGY4tnnTd2a3P1cnpDQqRR2SkrCTbxBqulFcGSsXgJMjNGDnSn43QHKTBt2ElCbeYGj2wbDr-VgCbb1s9zqbJivsWp91HOGm-aqLTcoZCg3bSg2oP_5TIhn05GPtftAgp5ZkGA/s280/cap033+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbwP22L1YaAoBxLgPtODZeFW_IETdTkPSatDo6zIZ8Q609-Bj8RVABp9tgtNuVNAjHYmhUXJWWnLsjy9ge7_68lQnYux_iefcVu4hAQLjjP-WUxdR-uFO7v1FG78K65jaEYA2uuA/s280/cap034+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm8JPa1emNhVBO_AtYJcZXFdx9tVLrlTdy9YJak5oyYCgyqdlEyuptF2A-99rTAFfTqr3IlExEOZDbEPvsLq4KpsgkYFyOyvU6_ccGikZDb3X95k4Q3uwjS0ZK30_pISJVkIklrg/s280/cap035+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiV3JKKk9CSJ-kJ89PrjhlJYqFnGd1ZWwi2GjuSMGV5DJ02Hn4Dx8_yhcHCtg0s734y7bXaN1fz9jdtd74I2YEzWxh_sKGpWzyDQ1nXSjHpX0THf09BoQgSWTMfugqVU57gibLffw/s280/cap036+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
para o ruído e excitação do centro da cidade, onde na Bolsa de Valores, Vittoria encontra o seu novo amante.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgamFuEgGmzKVKpFAMUCoiISVjG4XIfKOzL-WleP8QCHi5-7Q_90I8Cy_nqOiBhCw5SEKQP9D7s0XQeXsvWe00yca-Kq1DxFSND1fHXY2G8_I0NvsW6TUdUAciSTefRYz7Qphpm5w/s280/cap011+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjnP2z3JWMieJAxx79S843lpjMA2A84_N-mbW4J8sBY-gD5-55lptzsUe4iyFceKWkpc19nqKBrF9dBhab5jOGoxwdzAGVaZYwEn9U5ATbIFhNqJT_bvNJi3sGmrBB7NVMr80nVLQ/s280/cap014.bmp)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
A narrativa, que avança por oposições, entre silêncio e ruído, geometria e desordem, são instantes de profecia, de um novo mundo materialista que se avizinha.
“Deserto Vermelho”, (1964), que se segue a “O Eclipse”, desenrola-se em Ravena, uma cidade industrial onde as fábricas petroquímicas dominam. É o primeiro filme a cores de Antonioni, onde no novo mundo moderno, em expansão económica, os fumos das chaminés fumegantes, já não se confundem com os céus cinzentos do preto e branco da fotografia.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbHvtIZtD80HTf7vGlhZI946vdt5cP4TVzyfeYGXuTfH7P7TrpJmFq37Jl3IiLW-ui0-iUcnILU9yriHP1ISE1fuTflF8H3cu4mRBXWyM6wGeggVwCrrMY-0PFAT1OEdRxyAdwNA/s280/cap001+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiSBTUH0WKMvxJm-RPuRsZfAE2qPDGpbuoXb8sQiAf1DlgCS5b67_zkknhWCqc0FDFEyF5Daywt3ESTaJUz6C4EZ3ID1GU1jxrzvHFvTRHECS-djoUFktaJUXzEIcQ7DQ3_qe4HxQ/s280/cap002+%5B1024x768%5D.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgt3HllOrfcXbx9eTX3Orlw02zmGH3tdzZ6oO7jpQ0fExpJ1PXJiGaRDgLspZFRWYBntey1ATJH9beC-JoAvVU7xlOkzctkXHjKhXnp9JkQXWnZZShfbzaSDVOjWhtvdY9wsCAfog/s280/cap003+%5B1024x768%5D.jpg)
Deserto Vermelho, Michelangelo Antonioni, 1964
Em “Deserto Vermelho”, o drama desenrola-se em torno da mesma Mónica Vitti, agora Giuliana. Vítima de um acidente de automóvel, não mais consegue recuperar a confiança em si mesmo e isola-se mesmo dos que lhe são mais próximos. No final do filme, Ugo, o filho de Giuliana, pergunta se a nuvem amarela dos produtos químicos lançado pela chaminé da fábrica, tal como as chaminés das fábricas do bairro de Barcelona, podem fazer mal aos pássaros que a atravessam. “Eles aprenderam que as nuvens são perigosas e, por isso, vão por outro caminho” responde-lhe a mãe.
Na imagem estática de Armengol, a geometria, a linha recta que divide o bairro de Barcelona, são pontos de partida para o universo narrativo do cineasta, que nos desliza e empurra para esse mundo moderno, um mundo onde os elos naturais dos seres humanos encontram um fim.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL6fenFaC0CFApOd4G0Vc6cPtZzvjtT8-SeG3cLItbq0_Mk-EgsEovtKRjwepmF2LzMwb-b3cKgMEaFCO4ACaL48BWsL2qBbSSnfdDz7HqTTHqbf3BZBzuZMTga5181NcGXd8WAA/s280/cap038+%5B1024x768%5D.jpg)
O Eclipse, Michelangelo Antonioni, 1962
Afinal não será nos interstícios das imagens em movimento que se esconde o verdadeiro mistério do cinema?
andamos a ver os mesmos filmes:
ResponderEliminarhttp://khiasma.blogspot.com/2008/12/cest-lennui-lil-charg-dun-pleur.html
http://khiasma.blogspot.com/2008/02/o-desejo-vigiado-geometria-do.html
j
Curioso falar num realizador em que, num dos seus filmes, o mistério do cinema gira em torno de uma imagem estática. Refiro-me a Blowup.
ResponderEliminar"Blow-up" é a história de um fotógrafo sem ser a sua história, pouco sabemos da vida do fotógrafo, nem mesmo o seu nome.Antonioni em “Blow-Up” desmaterializa a fotografia, e de ampliação em ampliação, transforma a fotografia em pintura abstracta, “o objecto propriamente dito decompõem-se e desaparece” dirá Antonioni. O actor David Hemmings, o fotógrafo sem nome, tenta a narração com as sucessivas ampliações que pendura lado a lado no seu estúdio. Mas a fotografia por si só não representa a verdade, é necessário um testemunho, mas o amigo de Hemmings está demasiado bêbado para ir ao parque servir de testemunha, e a fotografia perde o sentido fora do contexto. Cabe a cada um de nós, espectadores de “Blow-Up”, querer ou não entrar no jogo (de ténis sem bola) de Antonioni. Para o mestre do cinema a fotografia é pessoal e subjectiva, “há um momento em que agarramos a realidade, mas o momento passa”.
ResponderEliminar