![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC1wjQ_Uu5sn4Kc8rzfWXYkHLfsEF0mNrO3E9I2FoO7TDRflMMR3IUqTwQGutXC-SUyPkszREJngEJNXr6IOM17hleI4fdSFmrU_HF12Wy4MQsP2wFZmQqxsPhVu_B2Zgp-9xuAg/s400/F+004.jpg)
Desmantelado após a exposição mas reconstruído em 1992, quem olha do exterior, julga estar no interior, mas o reflexo nos vidros, com as nuvens, o céu e as árvores por trás, lembram o visitante que ele está no exterior. Este efeito misterioso, a impressão de se estar simultaneamente no interior e exterior do edifício, foi pouco notada à época. Os jornalistas profissionais que escreveram para as revistas da especialidade, não repararam nesta arquitectura virtual. O arquitecto José Quetglas, foi dos poucos que colocou a questão: “será que o pavilhão não tem interior, ou será que o interior é o exterior?”. Só anos mais tarde, 1947, quando o Museum of Modern Art (MoMA), dedica uma exposição a Mies, comissariada por Philip Johnson, o pavilhão foi então considerado como a mais bela obra de arquitectura do século.
E na América, a arquitectura em vidro, janelas que substituem as paredes, entrou na moda. Na sua famosa, Farnsworth House, (1946-50) Mies substituía as quatro paredes por vidros, mas a casa, rodeada por um grande jardim, estava resguardada dos olhares exteriores. Já nos subúrbios, as largas janelas em vidro, eliminavam toda e qualquer privacidade familiar, e o ver e ser visto, passou a fazer parte de vida quotidiana dos baby boomers.
Este foi o texto que comecei por escrever para o post anterior, a falta de privacidade sentida nestas casas nos subúrbios era associada à falta de privacidade que os habitantes da Unidade de Marselha de Le Corbusier reclamaram quando para lá foram viver. Mas a exposição “Film und Foto”, 1929, no mesmo ano da exposição de Barcelona, acabou por dominar com a sua “promenade architectural”.
Hoje recupero e regresso ao texto, porque ao pavilhão de Mies a ligação ao artista Dan Graham e ao fotógrafo Jeff Wall, é inevitável.
Dan Graham, sob a influência do pavilhão de Mies, constrói “Alteration to a Suburban House”, 1978, na sequência de “Homes for America” (1966-67), a sua primeira crítica aos novos subúrbios. Neste trabalho, Graham remove a fachada de uma casa de um subúrbio e substitui-a por uma enorme janela.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOpuJ4D1cxi_DdIGpNGlkGiRKtfbvtRkwDYLrmS1elZololAkrchqzeslRUMpxYleUqSL2g3ISexnw6bc8c5py10m-VKg9oyt91-9u-E07YF_rdEJYws6C5rC7L-_LfMY5v8GNsQ/s400/F+003.jpg)
No interior, dividiu a frente e as traseiras com um espelho. O espectador na rua, entrava no interior e movia-se através do espelho na sala virtual, mas simultaneamente a paisagem suburbana, a estrada, o passeio, a relva, e as casas em frente estavam também presentes, reflectidas no vidro. O efeito, semelhante ao pavilhão de Mies, colocava o espectador em dois lugares, no exterior, o lugar real, e no interior, o lugar virtual. Por outro lado, o habitante, no interior da sua casa, via por efeito da duplicação no espelho, a rua, o passeio, a relva e as casas da frente. Para Graham, “what the huge window reveals is not a private space but a public representation of a convencional domesticity, an image of socially accepted normalcy” e a estrutura familiar da vida suburbana, tal como a estrutura das casas, era exposta agora a todos, o espaço privado era substituído por um espaço público, e nos subúrbios, os comportamentos passaram a ser ditados, não só pelos anúncios publicitários passados na televisão, mas pelos comportamentos dos vizinhos. Para Graham, a janela da casa é semelhante à janela de uma loja, onde o sonho da classe média americana, se vende como se fosse mais uma mercadoria.
Graham e Wall, respeitam-se mutuamente. Em 1980, Graham escreve um texto de uma fotografia de Wall, “The Destroyed Room”, 1978.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwh4S4LPd4Mq6CQLp1sDDJtfKhaa4eCi7psxZYc51NOcqaBXM5W816YNLGl8jbeXh_0R6yCA32LYBAL9X_yMUFgXTYhE-qVBtSVb_RL0FrxHInGgj3eCIGgWt0lhvyIiiFhktbbg/s400/destryed+room.jpg)
Jeff Wall,The Destroyed Room, 1978
Neste quarto, destruído deliberadamente por desconhecidos, a violência erótica é atenuada, segundo Graham, pela artificialidade da cena que Wall não esconde, e o espectador torna-se voyeur.
Em contrapartida, Wall, escreve no mesmo ano, um texto de sessenta páginas, sobre a obra “Alteration to a Suburban House”, a maqueta de Graham que nunca chegou a ser construída. Controlo e falta de privacidade, são para Wall, a tragédia que angustia o habitante destas casas. E no extenso texto, os efeitos do dia e da noite descritos, estão bem presentes em - Morning Cleaning, Mies van der Rohe Foundation, Barcelona, 1999.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisEOlEXpkc-cXz8ybyzk_RJMrw1ExljUtvzRaV-GGOXMNLfCVeToZGgS62eP7NY0_IHBlHDpFaIM-7ZyhyDCuzQ9kTXxW7DYposKU6LJXImlswBPAYiYM9vgWQnrIT6aR1GykeDA/s400/rm12_morning_cleaning_lrg.jpg)
Jeff Wall, Morning Cleaning, Mies van der Rohe Foundation, Barcelona, 1999
Wall vai buscar ao cinema o que ele chama de efeito cinematográfico - onde artifício e documento quase não se distinguem, e diz: “muitos são os filmes que nos dão uma sensação de irrealidade, mas que no final nos parecem reais como um documentário”. E é nesta ambivalência, entre um mundo que não é real, porque encenado, recriado a partir da sua imaginação e das suas memórias, como a limpeza em Morning Cleaning, que Wall compõe, através da fotografia digital, um mundo que nos parece mais real que a realidade.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLy_0YFEnrfhl_nyEhrRCFag5PqKb6Fv5TKQcnxiV0555Poj97mo3dGHW1U0wUEjP-OI0empHp3vwd6A6qKEHVw4x1Dc1_zvE8d8S7Cr8iIYLnTpilnk9og6BVkf8yz2NGyazHLw/s400/F.jpg)
Detalhe
A luz da manhã, ilumina o mármore rosa, e é para lá que primeiro olhamos. De dia, o pavilhão, com as suas paredes de vidro, controla a natureza - o fluxo cronológico do tempo dado pela amplitude da luz que incide na parede. Mas em Morning Cleaning, a opacidade e a rigidez da pedra mármore, que continua no exterior, é que nos faz julgar e misturar os dois espaços, o vidro, ensaboado, em contraste com a sua transparência natural, dá-nos uma imagem difusa da estátua que está no exterior.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhadD1NGV3to4WQLLbDgEFACtchSw2hEFrDklw_owDpqWlPnS1TLm_kcLvA65rjetFF90uIIcKTF56U3NEP-C6qgYqrz7Hc5HpNRgkssRC2eEnhfNmw767trg1ERk1wWt-m05-MkA/s400/morning_cleaning_d1.jpg)
Detalhe
Mas a verdadeira estranheza desta fotografia, não está nesta troca, de um vidro que deixa de ser reflector, transparente, mas nas cortinas, que recolhidas, quase passam desapercebidas.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiaRGcpZ-VVmAMbymzMuaF-t41-4hn_0K_JPrcJQ2XArtPP8z2aIsOIrrl_zuU6meHKW7srLW3jwx877fomjBFMTtvs2En-nF4wOOdns7rmLaxeEf-lcHbfikb8-moiHIAWXbNPA/s400/F+001.jpg)
Detalhe
Porque serão de veludo? Para aliviar a intensidade do sol não bastariam ser translúcidas? Se fechadas, a natureza que rodeia o pavilhão é afastada.
No texto, Wall refere que de noite, a natureza retira-se, deixa-se de reflectir no vidro, quando, durante o dia, está sempre omnipresente. Ao iluminar o espaço com luz artificial, o interior da casa transforma-se num gigantesco espelho, e o habitante vê-se reflectido em todas as superfícies, reflexão de reflexão, dependendo da intensidade da luz, como um fantasma que atormenta e angustia o habitante. A transformação do vidro em espelho só é quebrada com o correr das cortinas, e o fechar das cortinas à noite é já em si a expressão da ansiedade de quem habita a casa.
À medida que os anos passam, o controlo e a exposição da nossa vida privada é cada vez maior. Não é de estranhar, nem é por acaso, diz a arquitecta Beatriz Colomina, que o programa televisivo Big Brother foi criado na Holanda, onde as casas por tradição, estão completamente abertas para o exterior.
Adoro visitar este blog! Faço-o com alguma regularidade, porque fala de quase tudo o que gosto (cinema, fotografia, urbanismo), e ainda aprendo imensas coisas novas.
ResponderEliminarMuito obrigada, Madalena Lello!
ich tem razão, o urbanismo está muitas vezes presente, num blog que é de fotografia. Dei conta disso, quando há semanas atrás decidi mudar o layout do blog e organizar os posts numa lógica diferente das histórias fotográficas, nada de cronologias, nada de movimentos... Curiosamente, cidade/subúrbios tem um "label", só para eles...o que significa que o urbanismo está muito presente na fotografia, tema que interessa os fotógrafos mas tb a todos nós. O trabalho de Arni, em exposição no Museu Berardo, é um trabalho magnífico, Arni denuncia os efeitos desastrosos das cidades planeadas pelos arquitectos. Quando em Novembro de 2005, os subúrbios de Paris se incendiaram, todos vieram para a televisão falar como se tivessem nascido e crescido nesses espaços, porém, não vi ninguém acusar os arquitectos e urbanistas que fizeram aquele horror...
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras amáveis
e eu gosto deste novo 'look' do seu blog
ResponderEliminar:-)
sem-se-ver, obrigado mas ainda falta o principal que espero ter pronto em breve.
ResponderEliminar"Quando em Novembro de 2005, os subúrbios de Paris se incendiaram, todos vieram para a televisão falar como se tivessem nascido e crescido nesses espaços, porém, não vi ninguém acusar os arquitectos e urbanistas que fizeram aquele horror..."
ResponderEliminarSeria interessante pegar neste tema do lado da fotografia... do modo como o olhar do fotógrafo é capaz de sublinhar, acusar e apontar culpados.
A história da fotografia está cheia destes exemplos...
(este é "O" blog de referência sobre fotografia em português!)
É interessante a análise que desenvolves a partir do pavilhão de Mies Van Der Rohe. Voltarei mais vezes para te ler.
ResponderEliminar