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“A fotografia actual”, responde Berardo logo à frente, “é uma experiência directa com o contemporâneo”. À mesma pergunta “O que é a fotografia actual?”, eu respondo, é o que sempre foi.
E para explicar esta minha resposta socorro-me dos trabalhos de Edgar Martins, Luís Palma e André Gomes, os três fotógrafos representados na exposição.
Um engenheiro hábil, que constrói no meio de um caos de rochas, uma linha-férrea direita, reduz a desordem a ordem?
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Luís Palma, N.212.Portugal Road Map, da série Territorialidade, 2007
Nestas pedreiras, neste mundo de possibilidades, a Natureza alterada, cortada em cubos e paralelepípedos mais pequenos, reduz a desordem a ordem?
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Luís Palma, Strada Comunale Carriona di Colonnata #1, Italy Road Map, da série Territorialidade, 2008
Nestas periferias, a geometria dos prédios e sua repetição, reduzem a desordem a ordem?
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Luís Palma, Bilbau #5, da série Paisagens Periféricas, 2006
A preocupação de Luis Palma, como o próprio refere na entrevista reproduzida no catálogo, “tem sido o de criar um discurso circunscrito ao meu próprio espaço geográfico e político. Neste contexto, penso que a minha obra artística tem um lado crítico quando aborda temáticas como o desordenamento territorial”.
Palma, trava a sua batalha perante um real que quer denunciar, pois os bairros monótonos das periferias tornaram-se invisíveis de tão habituais.
No inicio dos anos sessenta, Dan Graham, em New Jersey, fotografava as áreas suburbanas. Em, 1966-67, a Arts Magazine publicava essas casas standardizadas, de construção rápida, acompanhadas de um seu texto de uma crítica mordaz, “ a block of eight houses utilizing four models and four colors might have 2.304 possible arrangements...”. A crítica ficou perplexa, não sabia como classificar “Homes for América”, pois não se tratava de um trabalho documental no estilo dos foto-ensaios que se publicavam nas revistas.
Enquanto Robert Smithson e Graham fotografavam os subúrbios de New Jersey, Lewis Baltz, Robert Adams, entre outros, eram reconhecidos oficialmente, na célebre exposição, “New Topographics: Photographs of a Man-Altered Landscape", em 1975, na George Eastman House, como os herdeiros da fotografia documental iniciada por Evans. Porque ignorou o comissário, William Jenkins, os primeiros? O que distingue as casas standardizadas, fotografadas a cor de Graham, das casas standardizadas a preto e branco que Lewis Baltz fotografava nos subúrbios de Orange County?
“Presentemente, confesso que tenho alguma dificuldade em contextualizar a “fotografia documental,(...),no que respeita ao meu trabalho, penso que o mesmo acaba por convergir num exercício plástico que se demarca de uma aproximação a um projecto realmente documental”, refere Luís Palma na entrevista, e continua “...temos assistido a uma apropriação de documentos que constroem novas narrativas que estabelecem uma ligação entre o passado e o presente, factos e ficções”. Palma lembra-se da artista Sherie Levine, podemos aqui lembrar o recente trabalho de Thomas Ruff, que a partir de fotografias anónimas de arquivos, reconstrói, à sua maneira, as casas de Mies van der Rohe. Ciente que a fotografia precisa de mudança, pois a simples repetição de um estilo embota e cansa a sensibilidade, Palma utiliza nas suas séries uma nova abordagem, a sua, como em “Paisagem, Indústria, Memória”, que já vimos aqui, e que o demarca de outras abordagens passadas.
Passemos à sala onde Edgar Martins expõe as suas obras, e para compreender a atitude inicial de quem aí entra, a agorafobia, o terror que um neurasténico experimenta quando tem de atravessar uma praça vazia, pode servir como exemplo para a compreensão dessa atitude inicial. Mesmo depois de ler as legendas, confrontamo-nos com obras que não sabemos o que são, e,
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Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008
tal como o neurasténico, que não se atreve a lançar-se em linha recta pelo meio da praça, mas cose-se às paredes, tacteando-as, para confirmar a sua orientação, nós espectadores, perante a ferocidade do caos ambiente, feito de formas geométricas em fundo negro, onde já perdemos o pé e onde tudo parece vacilar, procuramos uma orientação. E ao olhar em redor, nesse caos, de uma realidade que não conhecemos,
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Edgar Martins, da série When Light Cast no Shadow, 2008
o espanto e medo, as nossas emoções primárias, invadem, e só gradualmente, subtraindo-nos dessa realidade regulada, clara e precisa, como se uma aprendizagem visual se operasse, deixamo-nos envolver nessa vontade artística de negação de massa e cor, nesse esforço em arrancar as pistas de aeroportos da conexão natural onde vivem, que isoladas da sua condicionalidade, Martins consegue elevar a paisagens de uma regularidade superior. Martins convida-nos a partilhar com ele um novo olhar, que ele inventa, mas que retira da realidade.
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Edgar Martins, White Noise, 2008, da série Where Light Cast no Shadow
Eduardo Serra em “A Rapariga com o brinco de Pérola”, filmou o espanto e o medo de Griet, quando olhou através da câmara obscura de Vermeer. Griet, tal como nós na sala do CCB, espantava-se com um novo olhar que a câmara lhe oferecia.
Se a fotografia tivesse sido inventada antes da perspectiva geométrica, teríamos tido o mesmo espanto que Griet ao ver uma fotografia?
E na última sala, André Gomes, termina a exposição com montagens ampliadas de polaróides onde a realidade se deforma para quebrar o seu aspecto real,
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André Gomes,Incandescência das sombras, da série Per Umbras, 2009
como se o artista, virasse a sua pupila para as suas paisagens interiores e subjectivas. Criar uma obra que fuja à realidade, que careça de sentido, que se nos afigure ininteligível, parece-nos fácil, mas conseguir construir algo que não seja cópia do natural e que, contudo, possua substancialidade, implica o mais sublime dos dons.
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André Gomes, Construção oculta, da série Per Umbras, 2009
As quatro obras, expostas na sala, convida-nos a percorrermos com os nossos olhos esses diferentes fragmentos; a dar-nos conta dos seus tons, uns mais fortes outros mais suaves; a dar-nos conta da luz, umas vezes mais intensa, outra mais suave, e perante estas montagens, uma solicitação múltipla é endereçada à nossa actividade de olhar, e aquilo que ao primeiro olhar, parece um amontoado inerte de tons e de luzes, levanta-se diante dos nossos olhos como que dotado de uma vitalidade própria, e esse prazer estético, elementar, que encontramos na sua contemplação, na realidade, é o prazer que nós próprios fruímos da nossa actividade. “O Sonho do Olhar”, como resume o título que Eric Corne escolhe para a entrevista com o autor ou como o próprio refere “...penso no que Bachelard escrevia no ensaio “A chama de uma vela”: o objectivo da sua reflexão era “fazer passar os valores estéticos do claro-escuro dos pintores para o domínio dos valores estéticos do psiquismo” e mais à frente “este invisível de que falo é o mundo das imagens que dormem em nós e que, como um filtro, condicionam o nosso olhar”.
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André Gomes, O espelho da pintura, da série Per Umbras, 2009
Josef Sudek, um entre tantos outros, não soube utilizar o prazer estético, como o faz André Gomes, como um prazer inteligente?
“O que é a fotografia actual?”, é o que sempre foi, a expressão de diferentes atitudes perante um mundo em permanente mudança.
Não gostaria de estar na pele de Helena Almeida, Agnès Sire ou Paul Wombell, o Júri de Premiação. Na fotografia, nestas três abordagens diferentes, há alguma que seja superior?
Ontem, Topologias de Edgar Martins, convenceram o júri.
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