Aurora, a hora que começa o dia, a hora no filme para executar os prisioneiros.
A guerra marca profundamente Djordjevic. No filme a morte está sempre presente, mas Djordjevic deixa-se levar pelo tempo, pela beleza de um dia, e em “Jutra”, mistura situações dramáticas, trágicas, de corpos enforcados, que contrastam com a beleza de um rio, numa espécie de liberdade inspirada apenas pelo prazer de existir: “filmo sempre em cenários naturais…Cada dia tenho a impressão de roubar alguma coisa aos rostos, à atmosfera. Também confio na sorte. É como se estivesse a pescar à beira de um rio”.
Filmado em 1967, impressionantes, porque o tempo parece ter estancado, são estas fotografias recentes que poderiam ter sido retiradas de “Jutra”: casas em Belgrado,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj4fq3xVv2IbnjE74-B2v1B3Z48DESis4ZfFKic7-lovmDdrPjlY4cb2pFmjCJDOJK4CMS-epCl1xD91jHYKptH2B4CdN22QEEv3kqJgmFUXKLhi1FRsqASNlPwrltQXW81SoSYfA/s400/1.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado
e um rosto que procura por rostos desaparecidos,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuumKD5odm7cv26rmTFncUtUQy-0BFE11EVhPUDYaHg5Q3nOAlQAUn5v1zkxk63jzaBHerVzHXlpGV2CoyxpRCub5CaLl00LIR_ISjIOUbsPrsI31lGiOKnY8s6yv5WDdai0Bh1A/s400/%2355+009.jpg)
Thomas Kern, Sérvia, 1993
“…A guerra continua até amanhã…”, como na canção.
No Sudeste da Europa, no final de 1944, as forças soviéticas controlavam já o Norte dos Balcãs. Em Maio de 1945, seria a vez da Hungria, Polónia e da Checoslováquia, e mais a sul, o Exército de Libertação Nacional jusgoslavo, e o Exército britânico, encontravam-se face a face em Trieste. A linha que dividiria a Europa pouco tempo depois, começava a ser traçada. Os territórios que formavam um arco, desde a Finlândia até à Jugoslávia, foram alinhados pelo sistema político da União Soviética. Para Estaline, esta barreira representava a segurança do seu país. Mas a Jugoslávia não se deixou modelar por Estaline. Em 1945, o partido a “Frente do Povo” de Josip Broz Tito ganhava as eleições e chegava ao poder, sem a intervenção soviética, ao contrário do que veio a acontecer nos outros países da Europa de Leste. Em 1947 o governo jugoslavo tinha um estatuto único e adoptara o modelo soviético da colectivização forçada da terra e as purgas aterrorizaram os não partidários. Se no início as relações entre Moscovo e Belgrado eram cordiais, rapidamente, Estaline exasperava-se com Tito, por não conseguir, a partir de Moscovo, dirigir a Jugoslávia. A ruptura, seria conhecida publicamente em Fevereiro de 1948, quando Tito pôs em prática a Federação Balcânica, Belgrado era acusada de conduzir uma política nacionalista.
Esquecer o tempo de guerra e as divisões, foi um desejo de Tito.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgW8SVrHrAbthDTTx6jvloKfs0Q4YOClHXwQGv6sV9s2tduXQCWwdL6A_JXtjYkwNFZE3G88z1LGaLzWlsV7F4PR2FzCLLQaZHsUjTSyMczlDgeT8FuC75ara05aceHRlz7kVD6yw/s400/5Belgrado,+Junho+de+2006.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Junho 2006
Na sua Jugoslávia reunificada, constituída por seis repúblicas distintas dentro de um Estado federal, bem como de duas regiões autónomas (Voivodina e Kosovo), a geração do pós-guerra foi encorajada a pensar num país de unidade fraternal.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXEHPCQxGzCbFEcw3hPh3-k49uhgS7Zr9NQfBEAakPTlyVSWC-fgU0UndJaD4FB_vu-OlTJA3MTnTlNst7a8clmfUEJt8XBqfcUBSzgBeiO2tVMgp_vcGlkZWIHoUprWT-CQVw7g/s400/3Belgrado.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Agosto 2003
Nas gerações mais novas as diferenças atenuaram-se e os casamentos entre elementos de diferentes etnias tornaram-se cada vez mais frequentes. “Volvidos os anos de guerra, e visitando o país, não encontrei nenhuma situação em que tenha sentido em alguém a vontade da indómita vingança. As populações das diferentes Jugoslávias preparam-se para viver a melhor vida possível e nunca vi ninguém apontar dedos acusatórios”, escreve Carlos Miguel Fernandes, que foi várias vezes aos Balcãs (re)viver este passado.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_38lmfdtW6Ng4q2yxbBo08GpmaNCz0vLiT1ygvCnxMH2eZ7qqqtG5Vv3ca5dwwvk5kLr8UrNAszVSHooiJz01KCqHa1I0xTfyt8vjLPu61UEpMB4EBbnhkyjYdRQftbRaEGrd_A/s400/%5B19%5D+Belgrado,+Agosto+2003+320-26.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Agosto 2003
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1yevlyEry2ANfjP9cGhytZdj0w9YSkdMBqkay-yHClEbb6qNRyx8NCR3sNOn00Ic3VVaDnzJFixbP4-JdW4tX6kwu5NtaR6cIZJ2meeoheg8yFLon0RbInhCn0lJkTqvdhhDyHg/s400/%5B29c%5D+Belgrado,+Agosto+2003+321-41.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Agosto 2003
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjn4NZy5FKFmThzc3ElJe0TZaIao0vRUBAIh5mXBmv-PceyJ9pCs38KHXjwHrPlFKatzRjZ5WPDctXpM1EaIToBxS3KpDwlE5XRMb65BkpzmKXmN1uSpXdDL7b2VImTaExQD_-oQ/s400/6Belgrado,+Setembro+2004+399-16.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Setembro, 2004
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-rGAv5eP7UozFm2s1KIzxK2FQUuoVTwSp7l8-RFAogb76PaIujVp-TmwdogU8HjpBhyQeLk7i07pQhsxlliPxqth4uZ_eMd8LKfxY_q2n2_T652p2osN6CN5xL-ezWrH1N9izqw/s400/7Digitalizar0037.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Setembro, 2004
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXd8rDMseex9OKnu1LeOHSMqAc6VV-l2lGHaLlgXw_b1RAQJxnLPj9gDhRg7exdHLs3pGaLDLE9JX4b1_uCmwVhv-k-W6oY4A-ihQEy4_oKXRq9nh75RsQRAAPo9JvRSE0o1uoeA/s400/8Belgrado,+Agosto+2003+363-37.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Setembro, 2003
Em Belgrado, uma das cidades mais estimulantes que conheceu, o Zemun, subúrbio histórico e elegante da cidade na margem do Danúbio, fazem-lhe lembrar paragens mais orientais e mais exóticas.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEivvkXf12Bo9rB5opM-NLWsV0tpJXdhARAGg4sN8hp7I_Uya0x3ZrHgARBtEADhmy7Sw3SWusQ5ZgzK09eurhpACBvN76twniTzusE44uyNGoAhvszP1MJeERyLhY86-HxJ86MNjw/s400/Belgrado+(Zemun),+Junho+de+2006.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Zemun, Junho 2006
Com a morte de Tito, 1980, Slobodan Milosevic, no vácuo político que se seguiu, preparou a sua ascensão ao poder, e na sua ânsia de dominar, utilizou o nacionalismo como arma política, em 86, quando visitou o Kosovo mostrou-se solidário com as queixas dos Sérvios.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj47uakScrNVr46MGfPiMQ28rvDfR64fa1c0oJSrfeLx2Sp9kH9Z-xEyYOg8F5st1xNj5HheCTymSEycMkUir6-5KR7T65Pn2WfOtZ6bv6eeO6ytz1FGpTIMwCzwlrX0f5xpr-E_g/s400/Nikos+Economopoulos+Belgrado+servios+nacionalistas.jpg)
Nikos Economopoulos, Belgrado, Sérvios Nacionalistas, 1991
O Kosovo, como revelam as eleições do passado Domingo, tem um significado histórico para os Sérvios, pois foi a última região da Sérvia medieval a resistir ao avanço dos Turcos no ano 1389.
Em 89 Milosevic era eleito presidente da República Sérvia. Nesse ano a queda do muro de Berlim punha a descoberto a caótica economia da Europa Central e de Leste e surpreendeu os mais cépticos. A transição foi difícil para todos, mas a Jugoslávia, com um sistema federal que entrara num impasse, iniciava uma guerra civil sangrenta com os diversos estados a reclamarem a sua independência. A igualdade federal que Tito fizera prevalecer estava agora desmoronada.
A ocupação do Kosovo, pela tropas da NATO, em Março de 99, foi o princípio do fim de Milosevic, que perderia as eleições no ano seguinte.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGlUDf1SuVqkgTGX_oV2dAS7rsSszWFkVowdI6NziKrXTjhqIWyQn9X5c56Iti0kCflH2_HPXv0FI1vwmvhWvzj7Cuhw4IJ2ybX95cYZD6jwoIuQ2JFHmNdVol_p1ykN6tDtSoaw/s400/Josef+Koudelka,+25+maio2000,protesto+estudantes.jpg)
Josef Koudelka, Belgrado, manifestação de estudantes contra o regime de Milosevic, 2000
Se hoje a paz regressou aos Balcãs, a questão do Kosovo, está por resolver, e as eleições de Domingo passado na Sérvia foi vista pelos comentadores como um referendo: querem os sérvios ficar presos ao Kosovo ou avançar para a União Europeia?
O Partido Democrático, pró-europeu de Boris Tadic, o vencedor das eleições, mas sem maioria, enfrenta a dificuldade em formar um governo. Se em 2000, a Sérvia manifestava-se contra o regime de Milosevic,
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi5B1hRWCfMInhDRzMNwWp08_-iTTLaoX7CqjCJYQui3LqSc8UbCyJr1SOcEFrL4P70MtTxsSHZqEbSwUEy4Jyt4k7VrObvM1n39OR_vmc79RE3mwjAPO3k89TnO8ACCjXyDF9b6Q/s400/Thomas+Dworzak,+Servia,+Belgrado,+2001.jpg)
Thomas Dworzak, Belgrado, poster de Milosevic, 2001
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhiBsdoSnLS52OEjM31aUqxFOz5iufbIhDyqPkgq2fZfBVLibW46r5pXMoZWSxOFPzVP1a7Wft_Bd4NXQRwKCcXXsOQYiVWN04l0P_f9KHNySH47xpYMZ3wYDGoCoEv0-RMWgIdCQ/s400/Thomas+Dworzak,+2001+Milosevic+arrest.jpg)
Thomas Dworzak, Belgrado, Milosevic arrest, 2001
agora o Partido Socialista fundado por ele, é essencial para a coligação que se vier a efectuar, mas ambos os partidos não aceitam que Belgrado desista do Kosovo.
O Kosovo, como André Malraux bem identificou nos anos 60, é a Argélia dos jugoslavos.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQm-ajOEsT8bXPGxfVBR7WDuwj_cg1uBPr948cqMrRVVlXH4ipp1na7CnaGosuhsr-k34XZUeCsmbe51kQH9iFdXiGonPkaHvpbqg60k0u2L5a1xtXeBhtKv4E1_UtlefVfkMHFg/s400/2BelgradoFortaleza.jpg)
Carlos Miguel Fernandes, Belgrado, Fortaleza
Mas a Aurora, uma verdadeira Aurora, podemos nós perguntar, como na canção de “Jutro”, onde está?
Sem comentários:
Enviar um comentário