Desde os primórdios da fotografia, que cidades e os seus transeuntes é tema que alicia os fotógrafos. E porque não olharmos para os espaços públicos das cidades através das lentes dos fotógrafos?
Boulevard du Temple, é uma das primeiras fotografias, neste caso daguérriotipo, sobre uma rua de Paris.
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Louis Jacques Mandé Daguerre, Boulevard du temple, Paris, c. 1838
Tirada provávelmente de uma janela de um prédio, os longos tempos de exposição exigidos, deixaram só o engraxador e o dono dos sapatos. Anunciada a invenção de Daguerre em 1839, o que mais encantou a quem noticiou a invenção foram os detalhes de elevadíssima nitidez destas chapas polidas. No Boston Mercantile Journal, de 24 de Fevereiro desse ano, lê-se “(...) we distinguish the smallest details, we count the stones of the pavement, we see the moisture produced by rain, we read the sign of a shop…”
Depois de dez anos pela Europa, e de se interessar pela técnica fotográfica, Alfred Stieglitz regressa a Nova Iorque em 1890. “Winter – Fifth Avenue”,
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Alfred Stieglitz, Winter on Fifth Avenue, New York, 1893, Fotogravura.
representa a sua própria experiência quando regressa à cidade. Stieglitz sentia-se sózinho no seu país, ninguém igualava a fotografia que vira na Europa, e esta carrugem ainda puxada a cavalos, num esforço contra o vento e a neve, simbolizava, como anos mais tarde referiu, o seu esforço pessoal na luta por mostrar a melhor fotografia. Esforço foi também tirar esta fotografia, à coca durante horas sob esta intempérie esperou pelo momento certo. Em toda a obra de Stieglitz ressoam as suas experiências e sentimentos.
Tão diferente de Jacob Riis, que na mesma altura, 1890, e também em Nova Iorque, publicava “How the Other half lives”.
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Jacob A. Riis, Bandit's Roost, New York, 1888
Era a realidade fotográfica ao serviço dos desfavorecidos.
Anos mais tarde Paul Strand fotografou Nova Iorque como Stieglitz não conseguira. Em 1915, depois de fotografar Niagara Falls e o Grand Canyon, Strand regressa às ruas de Nova Iorque. Depois da imensa natureza a cidade é sinistra. Tirada com distância e de um ponto de vista elevado Strand faz Wall Street.
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Paul Strand, Wall Street, New York, 1915
Em contraste com as enormes janelas do banco Morgan em Wall Street, os peões não são mais que minúsculos pontos negros. O que Stieglitz dirá de Nova Iorque “is like a some giant machine, soulless, and without a trace of heart” aplica-se a Wall Street.
Na Europa, o pictorialismo ainda persiste quando László Moholy-Nagy o grande defensor da máquina fotográfica como o verdadeiro instrumento da percepção, personifica o movimento, a Nova Visão. A nova estética não se restringia ao grafismo, com a utilização das diagonais e de pontos de vista inusuais, a fotografia, para Moholy-Nagy, traduzia sobretudo a experiência concreta da visão em movimento.
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L. Moholy-Nagy, 7 AM, New Year's Morning, 1930
O ponto de vista único da perspectiva renascentista já não serve para o novo fotógrafo, homem de acção e movimento. Uma nova visão assente na dinâmica é a adequada ao homem moderno que vive na cidade.
Werner Graff acompanha as ideias de Moholy-Nagy e edita “Es Kommt der Neue Fotograf!” para a célebre exposição “Film und Foto” em Estugarda, 1929.
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Trinta anos depois, este peão captado em Milão, por Carlos Afonso Dias, parece continuar a caminhada do homem moderno que vive nas cidades.
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Carlos Afonso Dias, Itália Milão, 1958
Sena da Silva do 2º andar do prédio, onde na loja do mesmo em 1982 abria a galeria Ether, fotografa dois peões que correm para se refugiar da chuva.
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Sena da Silva, S/T, Lisboa 1956/57
Nem carros nem eléctricos, que nos anos 50 ainda passavam nestes trilhos da Rua Rodrigo da Fonseca. Em 1987 esta imagem servirá de cartaz para a retrospectiva que a Ether organizou a Sena da Silva, “Fotografias, 1956/57”.
Bem pior estão estes peões que também debaixo de chuva não correm por onde querem, seguem a seta e a aguardam a vez na fila,
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André Kertész, Rainy day Tokyo, 1968, 24,7 x 13,7 cm
estamos em Tóquio e não em Lisboa, os japoneses gostam de ordem e esperam em filas.
As ideias de Moholy-Nagy não se esgotam meio século depois. David Hockney, dirá que o olhar em movimento significa vida, o contrário é a morte. Mas Hockney vai mais longe, nesta praça de Paris,
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David Hockney, Place Furstenberg, Paris, 1985, Photographic Collage, 88,9 x 80 cm
fotografa multiplos ângulos e através desta laboriosa composição de fotografias sobrepostas elimina o ponto de vista único renascentista e fotográfico, Hockney tem consciência da distorsão fotográfica e elimina-a ao criar múltiplas perspectivas.
Já no novo século, Beat Streuli, gosta de fotografar os peões das grandes cidades. A preocupação é agora a globalização, Bruxelas, Tokyo, Nova Iorque...olhar para os rostos destes anónimos não nos revela a cidade.
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Beat Streuli, Fort de France, 2002, 150 x 200 cm
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Beat Streuli, Bruxelles 2005/2006, 180 x 240 cm
Como refere Dominique Baqué, “Beat Streuli não nos propõe ruas, mas eixos de circulação; não nos propõe peões mas gente cujas actividades esteriotipadas somos capazes de adivinhar”.
E é na rua, que Streuli gosta de expor as suas fotografias. À semelhança dos placards publicitários as suas imagens ocupam o lugar da publicidade.
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Nos museus ou galerias, prefere as janelas que dão para a rua. Em 2002, o Palais de Tokyo aproveitou as suas grandes janelas, semelhantes ás janelas do Banco Morgan da fotografia de Strand, para fazer uma instalação com os seus peões anónimos.
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Ao cair da noite quer na rua como no interior, as imagens pareciam regressar à vida, era a hora do dia que se viam melhor, e na rua esses enormes peões de todo o mundo pareciam regressar a casa.
E daqui por uma década, será que o espaço público e cívico das cidades estará morto ou os arquitectos procurando evitar o isolamento dos habitantes conseguem reabilitar o que está quase moribundo?
Muito interessante este passeio pela cidade (qual cidade?, múltiplas cidades em diferentes tempos, no fundo, podiam ser uma qualquer cidade, hoje). E sempre a presença humana nestas fotografias, lembrando que a cidade é para o homem - ou que o homem é para a cidade - ele é que a faz, é que a habita... a cidade era no início de 1900 nos Estados Unidos da América a suprema conquista do homem: a imponência da cidade era a capacidade do homem construir - como mostra Paul Strand. E, no fundo todos os outros, ao tornar os homens e mulheres seres pequeninos que correm - ou simplesmente passam - pela cidade - como os peões anónimos de Beat Streuli. E, por contraste, a busca individualizada na cidade, com nome, identificação, de Lorca diCorcia.
ResponderEliminarDiferentes formas de ver e sentir a cidade.
Gostei do teu passeio. Mas podia ser um pouco mais longo...
Bjs
Olá António, não me importáva de continuar a passear pelas cidades, depois de Tokyo, Berlim, Lisboa, Milão, Bruxellas, Paris, Nova Iorque,...podia efectivamente continuar com o Rio de Janeiro e por aí fora, mas como qq viagem tudo tem um fim, ficará para a próxima outras cidades...
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