sexta-feira, julho 18, 2008

Yosemite National Park

O número de visitantes de um dos parques mais espectaculares da Califórnia, o Yosemite National Park, tem vindo a decrescer nos últimos anos. Se este ano, lemos no último “The Economist”, o preço elevado da gasolina afastou muitos viajantes, quem mora próximo também não o visita. Hoje poderíamos dizer que o parque de Yosemite não teria ninguém se não fossem os alemães e ingleses, que aproveitando o dólar barato, ainda se passeiam por lá. A beleza natural do Yosemite Park, e de tantos outros parques naturais na América, já não cativam os americanos, que agora preferem as cidades artificiais de Paris e Veneza de Las Vegas, como conclui o autor do artigo.

“Mudança é uma medida do tempo” diz o geólogo Mark Klett, que se interessou não só por estudar as mudanças na paisagem de Yosemite - nada é permanente na natureza,

Ansel Adams, jeffrey Pine, Sentinel Dome, Yosemite National Park, California,c.1940


Mark Klett/Byron Wolfe, The trunk of the Jeffrey pine, killed by drought, Sentinel Dome, 2002

como pelos diferentes olhares dos fotógrafos, que ao longo de três séculos fotografaram o parque.

Quatro vistas de Cathedral Rocks, Em cima: Carleton E. Watkins, 1861 e Eadweard Muybridge, 1872. Em baixo: Ansel Adams c. 1944 e Mark Klett7Byron Wolfe, 2002

Klett, nas diversas expedições que fez ao parque, percebeu que a contemplação da paisagem já não espevita a mente do turista actual. Hoje, o turismo de massas, à semelhança dos geólogos, segue as pegadas e repete os pontos de vista dos fotógrafos pioneiros e em Glacier Point, oito minutos, é o tempo suficiente para o turista chegar e tirar fotografias, como revela esta imagem.

Mark Klett e Byron Wolfe, Eight minutes at Glacier Point, 2002

A imobilidade das rochas, outrora ideal para os fotógrafos do século XIX, que utilizavam ainda placas de vidro pouco sensíveis, contrasta com os rastos fantasmagóricos deixados pelos actuais visitantes. Virados de costas para a paisagem, o descanso também é rápido e mesmo o homem de boné amarelo, que olha de frente para o Glacier Point, também não aguenta muito tempo em contemplação. Não é só a paisagem que muda e se transforma, o homem contemporâneo, que “disneyficou” a natureza, está nos antípodas do homem romântico, o herdeiro de Rousseau, que via na natureza inóspita e bravia o sagrado e sublime.

Refotografar é hoje uma técnica muito utilizada por geólogos e cientistas. Com base numa fotografia antiga, o geólogo, num trabalho minucioso que requer horas de cálculos e ajustamentos, consegue muitas vezes regressar ao local exacto na mesma época do ano, e procura, através das sombras, refotografa-lo à mesma hora do dia. Depois compara e analisa as transformações que a natureza sofreu ao longo dos anos. Por vezes as modificações são tais, que encontrar a mesma milenar e gigantesca sequóia se assemelha quase a procurar uma agulha em palheiro.

Carleton E. Watkins, Grizzly Giant, Mariposa Grove, 33Ft.Diam, 1861


Mark Klett/ Byron Wolfe, Grizzly Giant from the walkway throught the Mariposa Grove, 2003. (Rectangle indicates cropping of Watkins's photograph)

Outras vezes dá-se o inverso, e o geólogo surpreende-se com a resistência à mudança, como estas pedras, no Lago Tenaya, outrora coberta por glaciares, que resistem e se mantêm no mesmo local há mais de um século.

Eadweard Muybridge, Ancient Glacier Channel, Lake Tenaya, Sierra Nevada Mountains, 1872


Mark Klett/ Byron Wolfe, Glacial deposits above Lake Tenaya, 2001





Nas três expedições ao Yosemite Park, Mark Klett e Byron Wolfe, com uma enorme precisão, refotografaram os locais por onde passaram Carleton Watkins, Eadweard Muybridge, Ansel Adams e Edward Weston, o resultado, surpresas espantosas: num parque com a extensão do Yosemite, só alguns passos separam três séculos de distância.



Mark Klett/Byron Wolfe, Four views from four times, Lake Tenaya, 2002


No Lago Tenaya, nome do chefe da tribo que vivia em Yosemite Valley, dizimada em Junho de 1851 pelas tropas de Bunnell, os primeiros colonos que aí entraram, o panorama de Mark e Byron, tirado em 2002, liga numa só imagem diferentes pontos no espaço e no tempo. Muybridge,

Eadweard Muybridge, Mount Hoffman, Sierra Nevada Mountains, From Lake Tenaya, 1872

Weston,

Edward Weston, Lake Tenaya, 1937

Adams,

Ansel Adams, Tenaya Lake, Mount Conness, Yosemite National Park,c.1942

Mark/Byron, convivem agora, lado a lado num olhar transversal no tempo e no espaço.

Se no início, a geologia era uma ciência chata e morta - as pedras eram monótonas e estáticas, no século XIX, o livro de Darwin, “A origem das espécies”, 1859, veio revolucionar tudo. E para o Yosemite Park, coberto de gelo na era glaciar, acorreram muitos geólogos. Tal como as árvores, que no seu interior registam em circulo cada ano da sua vida, as rochas guardam no seu seio os segredos do universo - as chaves da criação.
Por coincidência a fotografia foi inventada com o desbravar e colonização do Oeste americano, e os fotógrafos, Watkins e Muybridge, que se estabeleceram em São Francisco, acompanharam as primeiras expedições dos geólogos no levantamento topográfico do parque. As suas fotografias, das gigantescas sequóias, cascatas e ravinas, foram amplamente divulgadas, e espantavam os europeus, habituados a um mundo em pequena escala.

Para Adams e Weston, que vieram depois, o problema - como fotografar de novo o que os fotógrafos vitorianos tanto gostaram, não se colocou. Adams via os pioneiros como rudes e selvagens e por isso era necessário refotografar tudo de novo, e as suas paisagens de uma claridade e grandeza sobrenatural, muitas, como tanto gostava, tiradas depois de fortes chuvas e tempestades,

Ansel Adams, Clearing Winter Storm, Yosemite Nacional Park, 1944

quando o ar fica limpo, como que lavado, numa quietude e silêncio, escondem os turistas que já invadiam o parque. As suas fotografias, como revelaram Klett e Byron estão próximas das estradas. Weston, ao contrário das paisagens majestosas de Adams, vê nas árvores retorcidas de Yosemite,

Edward Weston, Juniper, 1936

as formas orgânicas que tanto o fascinaram.

As fotografias de Watkins, Adams e Weston, revelam que a fotografia é subjectiva, cada um vê e olha de maneira diferente, mas diferentes estilos e sensibilidades também acompanham diferentes épocas.
Muybridge ultrapassa o estilo do tempo, e em lugar da quietude e rigidez da enorme rocha granítica de El Capitan, vira-o de pernas para o ar reflectido nas águas da corrente do rio Merced.

Eadweard Muybridge, tutocanula, Valley of the Yosemite, EL Capitan, reflected in the Merced, 1872

Na água, para além do movimento que o iria fascinar mais tarde, Muybridge viu o caos e a desordem de Yosemite. Adams tinha razão quando chamou os pioneiros de rudes e selvagens, porque rude e selvagem é a natureza.

Agora o homem prefere o mundo artificial de Las Vegas “a natureza já não existe, tudo é artificial, tudo é artifício e a culpa é da fotografia, porque a natureza ficou distorcida de tanto a fotografar” escreveu Thomas Bernhard.

Será?

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