terça-feira, janeiro 30, 2007

Unité d'Habitation de Berlin de Nuno Cera no CCB

Visitar qualquer Unité d’Habitation de Le Corbusier corre-se o risco de ser a enésima abordagem ao mestre. Mas a originalidade da perspectiva de Nuno Cera atrai a nossa atenção.

Terminava o meu curso, e o tema para a monografia que teria de apresentar não me foi difícil de escolher – seria sobre a Unidade de Habitação de Marselha de Le Corbusier.
Marselha foi a primeira das cinco unidades que Corbusier construiu, Nuno Cera escolhe a terceira, a de Berlim (1958).
Finda a guerra, em Agosto de 1945, Raoul Dautry, ministro da Reconstrução e do Urbanismo francês, encomenda a Corbusier “une maison collective pour les gens de Marseille”. A unidade de habitação de Marselha (1947-1953), visava ser o protótipo do alojamento em massa. No vídeo, o pequeno texto de introdução, informa-nos do número de apartamentos por assoalhada, desta forma percepcionamos tratar-se de um edifício de alojamento em massa.
O arquitecto suiço, na sua obra fundamental “Vers une Architecture” em 1923, reuniu o que constituiria o embrião do Funcionalismo. Convicto que a beleza da forma é uma resposta precisa às necessidades funcionais, estabelece: “A casa é uma máquina de habitar” e com este propósito, a “forma deve seguir a função”.
Corbusier, nas unidades de habitação aplicou os seus cinco pontos para uma nova arquitectura: edifício assente em pilotis, planta livre em duplex, fachadas livres, janelas rasgadas na horizontal e cobertura plana. A arquitectura era reduzida ao mínimo, o esqueleto de betão dava total liberdade na distribuição dos espaços interiores e no arranjo das fachadas. Mas o Modulor,




Modulor, Le Corbusier

uma escala de proporções arquitectónicas baseada nas dimensões do corpo humano e na secção de ouro, é quem nos recebe, no vídeo de Cera:




Vídeo Unité d'Habitation de Berlin, Nuno Cera




O Modulor, aparece em relevo no betão das fachadas ao nível do solo,




Vídeo, Unité d'Habitation de Berlin, Nuno Cera


em harmonia com a Natureza e o Cosmos,

Recebe-nos na sua casa e diz:
Sejam bem vindos à Unidade de Habitação de Berlim
.

A questão que colocava no meu trabalho era a seguinte “...após quase quatro décadas (o trabalho foi apresentado em 88), de prática funcionalista, seria possível saber se esta aplicação dogmática terá tido bom êxito ou não?. Por outras palavras, o facto de se dispôr de espaços programados para determinadas funções melhora a vivacidade destes espaços e a sua relação com aquele que os disfruta?...”
E continuava “ ...as possíveis respostas parecem estar reveladoramente implícitas nas seguintes constatações ou factos históricos: - as consequências nefastas da planta livre, da unidade de Marselha, de Le Corbusier, e a contestação à sua organização espacial, promovida pelos habitantes, queixando-se que nos seus apartamentos faltava toda a privacidade. Os quartos de dormir das crianças eram arrumações com portas de correr;




Retirado da revista Maisons, Decors, Unité d'Habitation de Marseille



não existiam espaços onde as crianças pudessem evitar os pais, ou vice-versa, destruindo a planta dos apartamentos de vida familiar;...”

Harmonia com a Natureza e o Cosmos?

“...As disciplinas científicas dedicadas ao estudo sobre o espaço, deduzem-se sempre de um de dois sistemas: um sistema em que a realidade é percepcionada pelo indivíduo como centro do mundo, e em que o exemplo da disciplina que a estuda é por excelência a psicologia, e um outro sistema, em que a realidade é percepcionada pelo conhecimento que o homem adquire do espaço, em que o arquitecto visualiza sempre o mundo, não a partir de si mesmo, mas antes do espaço circundante, ou seja exterior.” “...dois modos de ver o mundo...onde surge a fonte de conflito permanente entre arquitecto e habitante”. Que tipo de solução a adoptar? Foi o capítulo principal da monografia.

Cera fecha a porta, não nos deixa entrar nos apartamentos, opta por nos revelar a falta de privacidade pelos sons que vamos ouvindo ao longo do corredor.



Vídeo Unité d'Habitation de Berlin, Nuno Cera

E o longo corredor, trabalho central no vídeo de Cera, remete-nos para um outro ponto central de Le Corbusier, segundo o mestre “il faut tuer la rue corridor”, essa rua catastrófica de casas, carros e peões. Corbusier é radical e separa todas as funções da rua, escreverá “as ruas devem ter as suas funções separadas”, ruas só para carros, zonas de circulação para os peões e zonas de recreio também separadas. A agitação da cidade é completamente banida. A cidade ideal, a cidade harmoniosa de Le Corbusier rejeita tudo que até aí fazia da cidade um local de encontros imprevistos, surpresas e acasos. Ao percorrermos no vídeo os corredores do edifício, sentimos harmonia? A escala, as dimensões da largura e altura do corredor são-nos dados por Cera, corresponderá às dimensões do corpo humano?



Vídeo Unité d'Habitation de Berlin, Nuno Cera

Beatriz Colomina, investigadora de história da arquitectura, é a primeira a apontar para a importância do modelo fotográfico em Le Corbusier. Para ele, diz-nos “...o espaço não é feito de muros, mas de imagens...Ver é para Le Corbusier, a actividade primordial numa casa. A casa serve para olharmos o mundo, é um mecanismo da visão...é um sistema de captura de imagens”. Villa le Lac, 1923, Le Corbusier

Na fotografia, o enquadramento e os fragmentos efémeros que vamos registando ao longo das nossas caminhadas são indissociáveis. Le Corbusier aborda da mesma forma dinâmica a arquitectura, para ele um edifício não deve ser concebido para ser apreciado de um único ponto de vista, normalmente imposto pelas fachadas e pela simetria do plano mas antes para ser apreendido no movimento e na caminhada. A Villa Savoye, é um exemplo de uma verdadeira “promenade architecturale”.
Para Colomina, a casa que Le Courbusier constroi para Charles de Beistegui nos Campos Elísios, é o perfeito exemplo do modelo fotográfico. Na penthouse, onde poderiamos ter uma vista panorâmica de Paris, Le Courbusier opta justamente por a abolir e preferir que a vista seja antes enquadrada. Através de um sistema mecânico, podemos, como num obturador da máquina fotográfica, abrir e fechar várias vistas. No cimo do edifíco, é através de um periscópio que obtemos vistas fragmentadas da paisagem urbana, semelhantes às imagens fotográficas.

Em 2002, treze artistas contemporâneos participam na exposição La Villa Savoye, Les Heures Claires, em que cada um fez a sua interpretação. A artista Véronique Joumard, apreende o mecanismo de visão de captura de imagens da casa de Le Corbusier.


Véronique Joumard, Villa Savoye, 2002

O vídeo de Cera, também ele termina, com a actividade que para Le Corbusier era primordial numa casa, olharmos para o mundo.



Vídeo Unité d'Habitation de Berlin, Nuno Cera

1 comentário:

Anónimo disse...

nem sei explicar o que senti quando entrei na unidade de habitação de berlim, foi qualquer coisa mágica. eu e o meu grupo de amigos tivemos a sorte de ver o fogo nr 205. Nem há palavras para descrever!!!